Os pacientes com traumas se perguntam por que é tão difícil superar as situações do passado? Por que elas atormentam tanto e como fazer para superá-las?
Para responder a essas questões, precisamos falar um pouco de teoria polivagal e neurodesenvolvimento.
A hierarquia polivagal
Porges (1995-2005) analisa a completa inter-relação entre os sistemas nervoso simpático e parassimpático.
Descreve três subsistemas organizados hierarquicamente no Sistema Nervoso Central que regem nossas respostas neurobiológicas à estimulação ambiental:
1) O trecho ventral do nervo vago: sistema de conexão social
2) O sistema simpático: mobilização
3) O trecho dorsal do nervo vago: imobilização
Cada um desses subsistemas corresponde a uma zona de ativação fisiológica:
1) O complexo vago-ventral é mais recente e sofisticado evolutivamente. Inclui o trecho ventral do nervo vago que se origina no núcleo ambíguo do tronco cerebral, um dos grupos de neurônios especializados que compõem o sistema ativador reticular: esse sistema determina o nível de consciência ou de alerta da pessoa. Possibilita o interesse/desinteresse rápido em relação ao entorno.
2) A ativação do simpático (evolutivamente mais primitivo e menos flexível) aumenta a ativação geral e mobiliza os mecanismos de sobrevivência (ataque-fuga) em resposta à ameaça. A amídala dá o sinal de alarme e o hipotálamo “acende” o Sistema Nervoso Central gerando uma torrente de substâncias neuroquímicas que aumentam a ativação
3) Se nem a conexão social nem a resposta de ataque-fuga conseguem garantir a segurança, o outro trecho do Sistema Nervoso Parassimpático, o vago-dorsal, passa para a próxima linha de defesa. Este é o mais primitivo de todos os sistemas. Sua intervenção desencadeia a hipóxia e permite diminuir a ativação fisiológica em direção à zona de hipo-ativação.
O aumento do tom vagal-dorsal está associado à conservação da energia.
O trecho vago-dorsal possibilita a imobilização relacionada com a sobrevivência. Por exemplo: fingir-se de morto, desmaio, comportamentos de desconexão.
Em contextos não ameaçadores o Sistema de Conexão Social controla o simpático, facilita a implicação com o entorno e nos ajuda a formar vínculos afetivos positivos e laços sociais.
O predomínio do Sistema de Conexão Social, que ajuda a manter a ativação dentro da margem de tolerância, se vê anulado sob condições traumáticas.
Então, quando uma pessoa sofre um trauma, essa perde a capacidade de lidar com a realidade externa a partir do sistema de participação social, que permite o diálogo, a reflexão e a comunicação com os outros e fica refém das formas de reação mais primitivas como os comportamentos de luta, fuga ou de desconexão com o mundo.
Quadro de hiperativação – hipoativação
Para devolver o passado ao passado, os pacientes precisam processar as experiências traumáticas dentro das margens de uma “zona ótima de ativação fisiológica”. É o que buscamos fazer em psicoterapia, oferecendo um espaço protegido em que a segurança para elaborar as vivências traumáticas é oferecida ao paciente.
Se por um lado os extremos podem ser adaptativos em determinadas situações traumáticas, se tornam desadaptativos quando persistem em contextos que não representam nenhuma ameaça. Dentro da zona de ativação ótima se mantém o funcionamento cortical, o que se supõe um pré-requisito para integrar a informação nos níveis cognitivo, emocional e sensório-motor.
Cada pessoa tem uma amplitude habitual dentro da margem de tolerância que influi em sua capacidade geral de processar informação. As pessoas com uma margem muito estreita vivem as flutuações na ativação fisiológica como algo incontrolável e desregulador. A maioria das pessoas traumatizadas tem uma margem de tolerância estreita e são mais suscetíveis a desregular-se devido às flutuações na ativação fisiológica.
Se ativam as emoções, as sensações; as vivências que pertencem ao passado vivem no presente como resposta a estímulos não necessariamente traumáticos. O passado (cristalizado) se atualiza e se revive, sem controle. Essas reações não são adaptativas e geram muito sofrimento.