Temporalidade no adulto e na criança

 

No período de quarentena os pais têm a oportunidade de estar mais tempo com as crianças. Isso pode ser ótimo se tivermos em conta o desafio das diferentes temporalidades (ou pode ser um estresse enorme!).⠀

Acompanhando mães e pais nessa fase de filhos pequenos observo que um dos maiores entraves desse processo, de dar suporte ao crescimento das crianças sob os nossos cuidados, é justamente essa diferença entre a temporalidade do adulto e a temporalidade da criança – e o quanto é difícil conciliá-las. ⠀

Mas o que isso significa?⠀

Quer dizer que o adulto já está inserido numa temporalidade mais complexa, que é tríplice, temos então três camadas temporais distintas presentes simultaneamente na nossa percepção cotidiana, que incluem os tempos presente, o passado e o futuro. Isso faz com que o adulto se relacione com o tempo dele de uma maneira muito específica e peculiar, seja planejando as coisas que vai fazer no futuro ou carregando consigo de forma consciente e inconsciente o seu passado, que é sua trajetória existencial. “Vou colocar essa panela no fogo, vou até a sala e daqui a 3 minutos volto e mexo de novo para não queimar”. Isso é antecipar e planejar no dia-a-dia.⠀

Transitamos entre essas 3 temporalidades, vivendo o presente e sempre de certa maneira conectados com o que já foi e com o que ainda está por vir. Esta é a contribuição da fenomenologia-existencial para a compreensão do humano. Ser é tempo e isso não depende de perfil ou personalidade. É do humano enquanto condição de existência na medida em que somo históricos.⠀

A temporalidade da criança é diferente, está relacionada ao instante, no caso dos bebês, e do agora, no caso das crianças.⠀

O bebê a princípio não lida com essa antecipação do que ainda vai ser e nem com essa lembrança do que já foi. Ele vai carregando consigo as inscrições, as marcas, do que vai vivendo, mas isso nos primeiros anos de vida fica como memória corporal mais do que lembrança; isso faz com que a criança esteja muito no imediato e tenha mais dificuldade de esperar, planejar, conseguir antecipar coisas ou mesmo entender regras a partir daquilo que se repete. O bebê está bem ou não está bem e chora, no imediato. Ele não vai entender que a mãe deixou a panela no fogo e que por isso ele precisa esperar um pouco até que ela possa pegá-lo no colo, não tem sistema nervoso desenvolvido para isso. Vai continuar chorando desconsolado até ser atendido. Nem a criança pode colocar uma panela no fogo, pois se fosse até a sala ela estaria correndo o risco de se “enganchar” em alguma outra coisa de seu interesse e não lembrar daquele outro processo que teria ficado em aberto. Porque está mais no plano imediato e não no plano do processo em aberto.

Considerando esta distinção entre bebês/crianças e adultos, é um desafio para nós quando estamos com as crianças nos moldarmos a eles acionando os nossos pré-requisitos neuro-sensoriais – os que eles ainda não têm. Sua demanda constante é por um cérebro adulto que lhes permita se desenvolverem também.

Nesse processo de empréstimo do nosso cérebro aos filhos, o que ajuda muito, além do entendimento do que esperar de cada etapa do crescimento da criança, é nos resguardarmos um pouco com momentos de tempo adulto, no relacionamento com outros, sem demandar isso das crianças.

Numa situação de quarentena isso pode parecer impossível. Gostaria de sustentar aqui que é uma necessidade tão vital, ter um tempo adulto, que mesmo sendo impossível vai acabar aparecendo, na forma de uma irritação ou impaciência, por exemplo. Então, o melhor talvez seja estabelecer esse espaço-tempo de forma a prevenir-se das consequências da falta dele. Como fazer isso depende da configuração específica de cada família. Nas minhas redes sociais tenho trazido algumas ideias e tenho aprendido muito também nos atendimentos. Acompanhe, entre em contato e dê notícias sobre você!

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