O sono da criança de 8 meses a 2 anos e 11 meses

khalaó | Blogue
O sono do bebê não vai se parecer ao do adulto até os 6 anos aproximadamente, quando o sono se concentrará à noite, normalmente sem sonecas, e terá uma duração de cerca de 8 a 9 horas sem despertares. Porém, até que chegue este momento, a evolução do sono não será linear; ao contrário, podemos falar em duas etapas bem diferenciadas:

* Etapa de construção, entre 0 e 7 meses: das duas fases do recém-nascido, passamos às cinco fases do adulto
* Etapa de maturação, entre 8 meses e 6 anos: em que essas fases e esse sono vão amadurecendo até parecerem-se mais ao adulto. É a época em que se reduz o número de horas de sono e vão se eliminando os despertares noturnos.

A partir daí, restam as etapas evolutivas normais: adolescência, idade adulta, velhice.

Entramos agora numa etapa de maturação do sono na qual as bases (fases, núcleo supraquiasmático…), já estão adquiridas e as mudanças importantes unicamente se produzirão no número de horas e nos despertares noturnos, que vão diminuindo pouco a pouco.

Até os 7 meses, o sono e a vigília respondem a mecanismos fisiológicos bastante precisos e sincronizados e a evolução do sono ocorre paralelamente à maturação do indivíduo. Ocorrerá o mesmo nesta etapa?

1) O que as crianças necessitam nessa idade?

– Introdução aos alimentos complementares
– Superar o período de angústia de separação
– Relacionar-se com o entorno (deambulação)
– Irrupção dentária
– Regulação esfincteriana

Introdução aos alimentos complementares

Ainda que já tenha começado no período anterior, até chegarem a essa idade os bebês não começam a consolidá-la. As crianças pouco a pouco deixam os purês e papinhas (os que tomavam) para irem comendo alimentos em pedaços.

Superar o período de angústia de separação

Até o 8º. mês a criança já sabe que é uma pessoa diferente do seu cuidador (normalmente os pais). Por essa razão, quando eles saem ou simplesmente desaparecem da sua vista choram desesperadamente. As crianças não têm noção do tempo e quando desaparecemos da sua visão não sabem se é para sempre ou por um momento e choram para o caso de ser a primeira opção.

Para superar este período foram inventados jogos como esconder-se atrás das mãos e aparecer (quase todas as culturas têm algo similar). Nesses jogos, as crianças suportam com alegria breves segundos sem a visão da mãe ou do pai. Esses breves segundos aumentam, pouco a pouco, a um período mais longo, mas este processo dificilmente termina antes dos dois anos.

Relacionar-se com o entorno (a deambulação)

Neste período, a criança começa a engatinhar e, ao redor de 1 ano, começará a andar. Neste momento em que adquire uma movimentação autônoma se converte num explorador intrépido, ávido de conhecer o entorno.

Irrupção dentária

Aparecem os primeiros dentinhos. Isso dói? Não se sabe ao certo. Se nos baseamos no surgimento de dentes em crianças maiores que podem explicá-lo, parece que não dói. Mas se observamos os bebês, sim se dá uma associação entre o nascimento dos dentes e uma inquietação (não me atrevo a dizer dor). Então, com ou sem dor, é uma etapa em que estão mais irritados, babam mais e mordem tudo que pegam. Por isso, por ser uma época especial, vamos considerá-la.

Regulação esfincteriana

Entre os dois e três anos a maioria das crianças começa a vivenciar o controle dos esfíncteres e o abandono da fralda (mesmo que nem todos o consigam ainda).

Uma etapa crítica, não acham? São os primeiros passos para a autonomia: sabe que é um ser diferente de seus cuidadores, que tem a habilidade de soltar-se e separar-se deles à vontade. Vai aprender também que pode controlar o momento de fazer xixi ou cocô e que é capaz de comer pedaços grandes sem engasgar. Uma grande responsabilidade e uma grande insegurança para tão pouca idade.

Esta é uma etapa marcada pela ansiedade infantil, em que a luta entre o “eu quero” e o “eu tenho medo” aparecem constantemente em cada decisão. E isso também se notará no sono.

2) E, por tanto, “Como será o sono?”

– Temido
– Inquieto

Basicamente o sono costuma apresentar duas características nessa idade.

Temido

A angústia de separação se manifesta também no sono. A criança começa a dar-se conta de que há um período (quando vai dormir) em que se separa de seus pais e por tanto tenta atrasá-lo ao máximo. É típico dessa idade ficar dormindo em frente à tv, brincando, etc, quer dizer, fazendo atividades que “distraiam” da ideia de que vai se separar de seus pais. Portanto devemos acalmá-los antes de irem dormir para que aprendam a regular essa ansiedade.

Muitos são os autores que chamaram atenção para este fenômeno e explicam como a melhor maneira de fazer as crianças dormirem neste período é aquela que dilui a ansiedade. As mais famosas? Fazer companhia! Assim, seguindo a J. de Ajuriaguerra:

“O sono […] também pode ser uma forma de separação dos adultos, separação temida ou desejada. Durante essa fase em que o ciclo do sono se busca a si mesmo, podem alterá-lo fatores que não tem nada a ver com a evolução posterior, mas pode influenciá-la mediante novas satisfações como a simples presença ou o embalar.”

E não necessitarão sempre a presença ou o embalar? Ainda que não acreditem, esta acaba sendo a pergunta de muitos pais. Pois não; porque a única coisa que uma criança precisa nesta etapa é sentir-se segura e quando isso se estabelece, quando já entende que seu entorno estará seguro ainda que durma, quando ele estiver mais seguro de si mesmo, o embalar e a presença se farão desnecessárias. A. Freud nos disse o seguinte a respeito disso:

“Chega o momento em que dormir não é mais um assunto puramente físico (resposta praticamente automática a uma necessidade corporal em uma pessoa indiferenciada); para dormir, se faz imprescindível um retrocesso da libido e do interesse do “Eu”: se dilui a ansiedade, desaparece quando as relações objetais da criança se tornam mais seguras e quando seu Eu está já suficientemente estabilizado.”

Vêem? Chega um momento em que as crianças ganham segurança e não vão mais necessitar de nada disso. Porém, é curioso observar como a maioria dos “especialistas” que desaconselham que se faça companhia às crianças para que durmam sozinhas por toda a vida não tem ressalvas em colocar um boneco na cama: E se acostumam por toda a vida com o boneco?

“Um dos dois (mãe ou pai) escolhe um boneco dos que o filho já tem e lhe põe um nome, digamos Pepito. Apresenta-o ao filho e lhe comunica que ‘a partir de hoje, seu amigo Pepito sempre dormirá contigo’”.

É um mistério ainda não solucionado pelos especialistas por que as crianças seriam mais suscetíveis a vincularem-se por toda a vida à companhia de seus pais do que a um ursinho. Mas, ainda que não se conheça nenhum adulto são que necessite da companhia de seus pais para conciliar o sono, me constam alguns que sim devem dormir com algum objeto substituto.

Inquieto

O feito de começar a andar e a reconhecer um entorno desconhecido até o momento lhe produz muita ansiedade, algo que também ocorrerá com o início da introdução complementar e, mais tarde com a retirada da fralda. Enquanto dormimos, sobretudo na fase REM, foi comprovado que aquilo que nos preocupa é assimilado, mas também provoca pesadelos e outros transtornos que, curiosamente, aparecem nessa idade. Os despertarem seguem tendo a tônica habitual.

Habitual? Alguns de vocês se perguntarão se isso é assim dadas as falsas ideias que circulam por aí de que as crianças a partir de poucos meses já dormem a noite toda. Pois sim, o habitual é que nessa idade as crianças ainda despertem à noite. Assim, segundo Ajuriaguerra:

“No 2º. Ano, a criança manifestará uma repugnância ao sono e despertará à noite; poderá tornar-se exigente com a mãe e ter dificuldade em suportar a separação que o sono supõe, despertando e chorando à espera do retorno da mãe. Neste período aparecem as primeiras mostras de ansiedade e os sonhos; durante as sonecas também podem surgir alterações.”

Richards e Bernal realizaram um estudo em que se comprovou que aos 14 meses de idade o maior problema dos pais era o despertar noturno constante. Desta forma, para Challamel, M. J. e Thirion, M.:

“O período dos 6 meses aos 4 anos é sobretudo a idade dos despertares múltiplos da segunda parte da noite. São frequentes, às vezes depois de cada ciclo posterior à meia-noite. Alguns estudos estimam que entre 40 e 60% das crianças despertam aos 18 meses e 20% deles despertam várias vezes toda noite. […] Esses despertares noturnos são um componente normal do sono nessa idade.”

Então, por que correm essas ideias de que as crianças a partir dos 6 meses podem dormir a noite toda? O Dr. Carlos Gonzales sugere que esses erros podem ter origem em uma má interpretação do estudo de Anders.

Em 1979, Anders observou crianças de 9 meses durante o sono e concluiu que 78% dormiam a noite toda. Como se explica o que apresentamos anteriormente se a maioria dorme aos 9 meses? Esses erros acabam acontecendo quando os estudos não são bem examinados, já que Anders deixa bem claro que se entende por dormir a noite toda que as crianças fiquem (não é necessário que durmam) em seu berço (todos dormiam sozinhos) entre a meia-noite e às 5 da madrugada. Apenas 5 horas de permanência no berço ainda que estejam despertos é o que se considera dormir a noite toda. Repassando o estudo, as crianças de 9 meses que não se despertavam entre a meia-noite e às 5 horas eram somente 33%.

Como vêem o sono nessa idade é muito frágil, como também o são a capacidade de dominar a ansiedade e a maturação da criança. Quando estas se consolidam, as crianças vão dormir sozinhas. J. Ajurriaguerra considera que:

“A importância dos fenômenos do segundo ano depende do grau de desenvolvimento geral da criança e especialmente da sua capacidade de percepção, do estabelecimento de relações com os objetos e da sua capacidade de dominar a ansiedade […].”

Quando isso terá lugar? M. F. Small cita Sara Harkness, especialista em desenvolvimento infantil, que sustenta que “com o passar do tempo, todas as crianças acabam dormindo como os adultos; só resta saber quanto levam para chegar a esse padrão. Em outras palavras: obcecar-se com o sono e inventar truques para que o bebê durma a noite toda é, quiçá, empurrar o assunto mais além do potencial biológico da criança”. Essa é exatamente a ideia desse texto:  sono é um processo evolutivo ou, dito de outro modo, todas as crianças vão dormir algum dia como os adultos, ainda que cada criança num ritmo de aquisição diferente.

Traduzido e adaptado do livro Dormir Sim Llorar, de Rosa Jové.

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