Trago aqui este artigo importantíssimo da psicomotricista Sylvie Lavergne da Associação Pikler-Loczy, traduzido pela querida Carmen Moraes, companheira de tantas oficinas e encontros de estudos sobre o desenvolvimento dos bebês de 0 a 3 anos.
Porque não devemos sentar os bebês
É em torno do período de 6-9 meses que, espontaneamente, o adulto coloca o bebê sentado no chão para brincar, geralmente sobre um tapete, cercado e calçado por almofadas servindo de apoio, pernas esticadas e abertas, com brinquedos diante dele. Se o adulto cerca o bebê com almofadas, é porque não está seguro quanto ao seu equilíbrio e por isso cria um espaço seguro e confortável no caso de ele cair … para trás? Quando se pergunta ao adulto se o bebê senta sozinho, a resposta mais frequente é “sim, ele senta!” Se insistirmos um pouco mais na questão: ”como ele faz para sentar?”, a resposta é cheia de nuances: “ah, não, sou eu que ponho ele sentado”.
Há uma representação clássica do bebê que gosta de brincar sentado para poder ver o mundo, da onde vem coloca-lo logo sentado para que possa brincar assim. . Na verdade, isso demonstra um desconhecimento do desenvolvimento psicomotor livre do bebê, construído etapa por etapa por ele mesmo, no qual ele deve ser o único a iniciar seus movimentos e postura.
Uma postura inadequada para seu desenvolvimento
Não é colocando o bebê sentado que ele irá aprender a conhecer seu corpo, a saber se utilizar dele, a dominá-lo. Não é sentado que ele fortalece seus músculos, organiza e unifica as diferentes partes de seu corpo entre elas, nem tampouco brinca livremente com os objetos. Essa não é uma condição que o ajuda a variar seus gestos e sua motricidade livre, como poder brincar tranquilamente por um bom tempo.
O bebê, quando é colocado sentado, não se mexe e não atua nas buscas de movimentos, ou em ações ricas e variadas escolhidas por ele. Fica impedido de movimentar-se do seu jeito e no seu ritmo. Pode ficar instalado nessa postura durante um tempo, 15…30m, o quanto ele pode aguentar. Em todos os casos , isso é muito tempo para ele.
Muitas vezes o bebê fica entediado, cansado: começa a chorar, a enrijecer todos os membros e cai para trás com todo o seu tronco, como um bloco; suas pernas ficam na vertical e o corpo aprisionado por uma tensão global. O adulto vem em seu socorro, pega-o nos braços consolando-o e o coloca sentado no chão novamente, ainda mais cercado de almofadas ou sentando-se atrás dele mantendo-o sentado entre suas pernas. Sentado desse maneira, o bebê está como que fixo numa postura. Fica rígido, seu corpo dividido em duas partes fragmentadas, orientadas para duas direções espaciais opostas: vertical e horizontal. De um lado, sua cabeça e tronco estão na vertical, no vazio, sem um apoio firme. As almofadas – bem fofas e escorregadias – não são um apoio confiável para as costas. A articulação do pescoço fica com pouca mobilidade. É difícil para ele levantar sua cabeça e virá-la para a esquerda ou para direita, baixá-la em direção aos objetos, ou ainda, de acompanhar com o olhar o vai e vem em torno dele.
Tensão e Equilíbrio
O órgão de equilíbrio do ser humano é o ouvido interno, que o informa sobre a posição angular de sua cabeça e sua aceleração. Na posição sentada, o bebê tem que manter seu corpo ereto e lutar contra a gravidade do contrário, ele se desequilibra e cai. Para se manter nessa postura, sua cabeça fica como que enterrada entre seus ombros, seu pescoço desaparece, seu tronco fica arredondado e curvado.
A cabeça e o tronco formam um só bloco e o seu olhar se dirige para o chão. Seu rosto fica congelado, sério e concentrado. Alguns bebês ficam tão tensos e tão crispados, curvam tanto as costas, que acabam se sentando no final da coluna vertebral, muito mais sobre a lombar do que nas nádegas, a tal ponto que essa tensão atinge também suas pernas. A rigidez se torna visível, os músculos se crispam até os dedos dos pés fazendo com que os calcanhares levantem do chão.
Não se pode imaginar o estado de sua de tensão interna, as sensações da contratura e até mesmo de cãibras.
Uma posição mais que desconfortável
Suas pernas estão na horizontal, esticadas e estendidas no chão, afastadas uma da outra, formando um triângulo aberto a partir do tronco. Seus pés formam um ângulo reto com o tornozelo esticado para cima. O bebê não pode dobrar os joelhos, mexer as pernas, alternar os movimentos de uma ou outra ou das duas juntas. Não pode aproximá-las nem juntá-las, nem pegar seu calcanhar, muito menos virar os tornozelos, nem esticar os pés ou mexer seus dedos. Não pode levantar as coxas para apoiar ou bater seus pés no chão. Só consegue deixar suas pernas e pés esticados e contraídos. Suas pernas estão totalmente em contato com o chão e suas articulações pouco flexíveis, na verdade, imobilizadas. Depois de um tempo, seus pés viram para dentro e os dedos tocam no chão.
Como se seu corpo estivesse dividido em dois, o tronco na vertical e as pernas na horizontal, o bebê fica então imobilizado num corpo onde ambas as partes vivem de maneira diferente no espaço. O tronco tem que se manter ereto no vazio sem ter feito a experiência de uma construção motora e de encadeamento de apoios.
Movimentos dificultosos
Sentados sobre as nádegas, seu peso e sua massa corporal se instalam sobre a bacia. Assim como as pernas, as articulações do quadril ficam imóveis, como se seu corpo estivesse fixo no chão. O bebê curva suas costas para se manter sentado, no sentido de aumentar a superfície de apoio e ter um contato maior com o chão. Suas duas pernas não são usadas com leveza para reajustar seu equilíbrio e regular o tônus da postura, tampouco são independentes uma da outra, ou melhor, úteis uma para outra em uma alternância de movimentos: estão paralelas e agem de acordo. Seus braços não podem fazer gestos amplos, em várias direções. O bebê ergue os ombros e seus cotovelos se mantém apertados contra o tronco. Suas mãos não podem estar relaxadas nem precisas para manipular os objetos. Os movimentos de sua cabeça ficam reduzidos e dirigidos principalmente para frente: virar a cabeça para um lado ou para o outro seria correr o risco de desequilibrar-se.
Ações complexas para o bebê
O bebê deve manter seu equilíbrio corporal dobrando-se totalmente para frente para olhar os objetos e esticar as mãos para alcança-los, com o corpo completamente inclinado. `As vezes, ele coloca uma mão espalmada no chão para ajudar a se manter. Depois, pega o objeto apertando-o com as mãos, levanta-o do chão mantendo seu equilíbrio corporal se endireitando na posição sentada, põe o objeto na boca sustentando a cabeça voltada para suas mãos, sempre tentando manter seu equilíbrio corporal para poder brincar. Apertando o objeto com as mãos, seu corpo se agita para frente e para trás, o tronco, a cabeça, braços e pernas, como se estivessem soldados, com pequenas oscilações sobre as nádegas.
O objeto cai, solto pelo bebê ou pelo efeito da gravidade, criando um vazio, um desequilíbrio, uma falta e uma ruptura e ele, por sua vez, que, se desequilibra e cai como um bloco no chão, geralmente para trás, os braços abertos e as pernas esticadas na vertical, o corpo parecendo uma escultura nessa posição.
Instalado nessa postura sentada por outra pessoa, o bebê aí permanece dependente de uma experiência corporal a qual ele não tem livre acesso. Não pode nem se colocar nem sair dela por si mesmo. É dependente de um desconforto físico que o deixa cada vez mais tenso e crispado até começar a sentir dor; dependente também de um equilíbrio precário, das tensões, de uma posição fixa no espaço, de uma demora, na qual sua atividade se esgota pelo ”tédio” de uma atividade que só o restringe. É dependente da mesma forma de um desconforto psíquico que limita suas experiências r do adulto que o instalou assim, a quem ele pede ajuda estendendo os braços olhando para ele chorando.
O corpo, ferramenta de conhecimento
Durante os três primeiros anos de sua vida, a criança aprende a perceber e a conhecer as diferentes partes do seu corpo. Ela faz um levantamento para ir tomando consciência dele progressivamente e utilizando-o cada vez mais durante todo o tempo. É o período do “corpo habitado”, durante o qual se precisa e depois se especializa a motricidade, a sensorialidade e as relações.
É ao longo do 1o. ano que a criança aprende a passar da posição “horizontal”, alongada sobre as costas, depois deitada de bruços, com quatro apoios, até a posição sentada. Se o adulto permite que o bebê passe por todas essas posturas sozinho, por si só, ele saberá fazer tudo isso naturalmente e na ordem. De fato, o corpo é uma ferramenta para conhecer o chão e o mundo `a sua volta. Ele tem que dominá-lo para esses fins – tem que poder fazê-lo ele mesmo, para ele mesmo e por si mesmo; tem que testá-lo para se adaptar `as diversas situações em que se encontra.
As disfunções reais
Quando o bebê é induzido a sentar-se pelo adulto, a posição não é o resultado de uma sucessão de etapas motoras encontradas e depois utilizadas por ele mesmo.
Seu corpo terá muita dificuldade em organizar-se a serviço de uma evolução psicomotora harmoniosa. Algumas disfunções irão surgir então, inicialmente em seu próprio corpo e particularmente em seu esquema corporal. Colocado sentado, o bebê tem poucas possibilidades de se mexer, de utilizar seu corpo por inteiro ou em parte, com variedade e riqueza de experiências, em tentativas de erros e acertos, de fazer o que ele quer. Seus movimentos são repetitivos e rígidos, tanto na sua expressão como nos objetivos a alcançar. Ele inibe seus movimentos nas buscas e no espaço. O repertório das diferentes partes do seu corpo fica restrito e pouco detalhado, assim como limita a sua experiência de um corpo global e unificado.
No que diz respeito ao tônus – que regula nossa via emocional – o bebê mantém certamente essa postura para lutar contra a gravidade e a queda, mas tendo que ajusta-la em função da posição da sua cabeça e de suas costas. Ele permanece sentado e vive essa situação num estado de tensão que aumenta de acordo com sua vivencia emocional. O bebê irá reagir a esse estado de mal estar e desconforto aumentando seu tônus e experimentará progressivamente um estado de esgotamento e exaustão muscular e postural.
Um equilíbrio difícil
As condições de equilíbrio enquanto está sentado são precárias. Mesmo se suas pernas esticadas e abertas oferecem uma grande superfície de contato com o chão, os mínimos movimentos de sua cabeça como dos braços, as flexões de seu tronco para frente e para trás, para os lados ou ainda em rotação, irão mudar ou aumentar seu centro de gravidade. Todos esses movimentos mudarão as condições de equilíbrio, o que torna cada vez mais difícil mantê-lo. O bebê se solta e se contrai, se desequilibra e cai geralmente para trás.
A coordenação de seus movimentos fica entravada pelas tensões musculares, impedindo que ele realize seus gestos harmoniosamente. Fica difícil para ele por exemplo, levantar só um braço, deixando o resto do corpo imóvel. Durante um movimento ou um gesto, todo seu corpo participa, como um bloco só.
A coordenação mano-ocular fica imprecisa e limitada. O bebê deve estar todo tempo vigilante aos movimentos de sua cabeça para poder manter seu equilíbrio.
Sua respiração se adapta a essa situação de exercícios corporais que lhe são impostos. Ela é curta e de baixa amplitude. Pode ser irregular pelo fato de ele estar sempre tentando manter seu equilíbrio, ou pouco difusa por causa das tensões. Fica evidente que ele não está nada relaxado.
A sensibilidade atingida
A posição sentada tem também um impacto na sua sensibilidade. Quando colocado sentado, o bebê recolhe parcialmente as informações do mundo externo, focalizado e atento que está nas suas sensações internas.
De fato, é pelos órgãos sensoriais que estamos em contato com o mundo ao redor. Nossas sensações internas nos informam sobre o nosso corpo. Para se manter sentado, o bebê fica com uma sensação corporal pouco definida; as diferentes posições das partes de seu corpo ficam pouco diferenciadas. As tensões corporais progressivas vão induzindo a crispações, provocando dor nos tendões e dor muscular.
Movimentos repentinos
Nessa postura, o bebê não pode explorar o espaço através de suas experiências de deslocamentos. Não pode medi-lo nem visitá-lo com seu corpo em movimento. Não pode dispor dele de acordo com suas necessidades: se esticar, se deslocar, se levantar, passar da posição horizontal à vertical e vice-versa.
Ele tem pouco controle sobre o ambiente. Ocupa ali uma porção limitada, tanto do seu próprio corpo como do seu entorno. Não pode aprender por si mesmo a orientá-lo e com dificuldade consegue virar para esquerda ou para a direita.
Não pode correr o risco de tentar pegar um objeto mais afastado ou que está atrás dele. Situando-se com dificuldade em relação às coisas que estão próximas ou mais distantes, ou com dificuldade para compreendê-las, ele se submete aos movimentos e deslocamentos em volta dele. É muito frequente ver os bebês que são postos sentados se deslocarem usando as nádegas, registrando assim, um deslocamento no espaço a partir dessa postura. O corpo na vertical se antecipa sobre as nádegas num movimento global para frente e para trás das duas pernas, com a ajuda de um braço erguido e dobrado no nível do cotovelo.
Assim, o bebê vai aprendendo, vai se constituindo através de suas experiências motoras, ponto de partida de sua memória corporal que se torna um ponto de referência de sua organização psicomotora. Ele circula sentado, uma vez que essa postura é seu ponto de partida motor e espacial.
Uma postura passiva
Quanto ao aspecto temporal, o ritmo e a velocidade de seus movimentos e de suas ações são curtos e bruscos. Enquanto ele estiver sentado, lá ele fica e isso pode durar um bom tempo, deixando-o passivo, numa espera que pode ser longa para ele, na qual ele pode se perder e progressivamente entrar em sofrimento.
Do ponto vista relacional, o bebê que é colocado sentado, se balança `as vezes pra frente e para trás, focando então sobre o que ele experimenta desse ritmo iniciado por ele, isolando-se no ambiente, frequentemente entediado.
De fato, não é muito estimulante ficar sentado! A atividade se empobrece. Pouco seguro nessa posição, conhecendo poucos movimentos e deslocamentos experimentados, com pouca confiança nas suas capacidades, o bebê fica com medo daquilo que vê e percebe diante dele. Pode começar a chorar quando outra criança se aproxima ou está muito próxima dele. Não consegue se proteger dessa situação, como também não pode seguir o adulto que se afasta para mais longe.
Os objetos escapam, caem várias vezes de suas mãos. Seu espaço de brincar se esvazia. Olha então em volta dele, busca o contato do olhar e chama pelo adulto se agitando e chorando. Suas emoções se graduam em função do tempo de resposta do adulto que ele chamou. Nessa situação de dependência psicomotora, ao bebê só lhe resta esperar pela ajuda de outra pessoa, do adulto que o colocou assim.
Uma experiência a ser analisada
Para sentir melhor a experiência psicomotora da postura sentada em que o bebê é colocado, eis uma experiência boa para você observar: instale-se sentado no chão nas mesmas condições corporais do bebê, não saia dela e não se mexa. Observe então o seu próprio funcionamento psicomotor, concentrando-se primeiramente na posição de cada parte do seu corpo individualmente e depois cada uma em relação às outras. Em seguida, mantendo-se sempre sentado, observe suas possibilidades motoras: seus movimentos, suas amplitudes, velocidade e leveza. Perceba depois o tônus de sua postura: quais as partes do seu corpo que estão relaxadas, quais em tensão? Continue sua observação concentrando-se sobre sua resposta, sua regularidade, sua amplitude. Quais os contatos do seu corpo com o mundo exterior? Enfim, quanto tempo você ficou nessa posição? Tem vontade, necessidade de se mexer? Que partes do seu corpo?
Observar as reações do bebê
Pode se realizar uma segunda experiência para afinar nossa percepção de como a criança se sente, se apercebe na postura sentada sem a ter escolhido: quais são as possibilidades corporais, as expressões do seu rosto, seu gestual, sua motricidade fina, a expressão de como está vivenciando isso interiormente, suas emoções, o contato que faz com você e o entorno, a qualidade do seu brincar, etc?
A partir do momento em que o adulto permite ao bebê sentar-se sozinho, por ele mesmo, que ele cria as condições favoráveis para que ele possa fazê-lo com conhecimento de causa, isso lhe mostra o “como fazer” naturalmente, o que significa: “eu é que me sento sozinho”. Não há nenhuma urgência para que o bebê fique sentado, como destaca o comentário do DVD Independentemente, sozinho: “Os bebês que não são impedidos de se movimentar, não se sentam tanto, não ficam muito tempo sentados. Não é permanecendo sentado que as costas se fortalecem. Se os bebês rolam e rastejam bastante, se sentarão bem eretos mais tarde quando se sentarem sozinhos”.