Amamentação, assunto muito vasto. Trago aqui um recorte de algumas práticas em torno de um processo de amamentação duradouro e saudável para a mãe e para o bebê. Duas perguntas sempre vêm à tona quando o assunto é como regular a amamentação. Regular significa quando a mãe já está sentindo a necessidade de sair da livre-demanda e estabelecer um certo ritmo, rotina ou ordenação das mamadas que vão acontecendo durante o dia ou da noite. Ou seja, conforme o crescimento do bebê vai se dando e a mãe vai sentindo essa necessidade. A partir de quando é possível ou recomendável começar a regular a amamentação? E como fazer isso?
A partir de quando?
A primeira coisa a considerar é a recomendação da OMS de que o aleitamento, materno ou artificial, seja a principal fonte de alimento do bebê até 1 ano de vida. Até os 6 meses de forma exclusiva e de 6 meses a 1 ano cumprindo entre 50% e 100% da alimentação do bebê. Então, a ideia é chegar a 1 ano de vida sendo pelo menos 50% da alimentação do bebê e podendo ser ainda amamentação quase que exclusiva, como era comum quando nossos avós e bisavós eram pequenos. E por quê? Porque o leite é o alimento mais rico e mais completo que o bebê pode ingerir nesta fase, não sendo equiparável a quaisquer outros alimentos, com os quais o bebê neste período está apenas começando a ter contato. Do 6o. mês ao término do 1o. ano, acho muito difícil falar de uma regulação ativa da amamentação, já que é muito importante para este bebê que ele mame o quanto ele queira dentro do possível para cada família.
A partir desse período de 1 ano ainda existe a recomendação de seguir com a amamentação. A OMS diz até os 2 anos ou mais. Então, a amamentação pode ser um processo longo no decorrer dos primeiros anos de vida. A regulação aí é importante inclusive para que a mãe não se desgaste nesse processo. Pode ser uma ótima estratégia no sentido de sustentar a amamentação no decorrer do tempo com prazer.
Observo que a amamentação vai acompanhando um pouco o cotidiano da mãe e do bebê. Na minha prática clínica, vejo que com o passar do tempo a maioria das mães vai sentindo a necessidade de retomar outras atividades. Quando isso não acontece pelo trabalho, pelo término da licença maternidade, aos 4, 5, 6 ou 7 meses pós-parto, ou seja, quando isso acontece mais pra frente, às vezes é na circunstância de ausência da mãe que essa regulação vai acabar acontecendo em torno do 1o. e até do 2o. ano de vida. Então, a mãe que sai e, por exemplo, fica todas as manhãs fora de casa ou fica fora de manhã e à tarde e só encontra o bebê de manhã cedo antes de sair e à noite… Algumas mães procuram ordenhar o leite durante o dia no trabalho, até por volta de 1 ano ou um pouco mais… É algo a ser pensado, o quanto faz sentido e se há disponibilidade e condições para isso. Há muitas mulheres conciliando bem amamentação e trabalho com essa estratégia. E há também os bebês que esperam pela volta da mãe e se adaptam, concentrando mamadas nos horários em que estão juntos. Em resumo, vejo que as próprias circunstâncias da vida vão criando esses intervalos e fazendo com que esses horários de amamentação se adaptem à rotina da mãe e às necessidades do bebê. Acho que é assim mesmo. Esta para mim é uma forma natural de regular a amamentação. No momento em que a mãe está ausente, ela não amamenta ou diminui um pouco o aporte de leite (se estiver ordenhando). No momento em que ela está presente com o bebê, ela está disponível para amamentar, dentro do possível para ela.
Até os 2 anos ou 2 anos e meio, acho que essa é a melhor forma de regular a amamentação. Antes dessa idade, acho muito difícil para o bebê entender limites, entender o “não”, entender a ideia de “agora não, mais tarde” e que é muito importante para que haja alguma tentativa de negociação com eles. Então, acho que nesse sentido, aproveitar as circunstâncias do dia-a-dia nesse período entre 1 ano e 2, 2 e meio pode ser uma ótima estratégia.
A partir daí, é mais fácil trabalharmos a compreensão da criança sobre os horários e os tempos. Então, por exemplo, “Agora você não vai mamar porque agora é hora do lanche” ou “é hora do jantar… então, você vai mamar mais tarde”… “vai mamar na hora de dormir” ou “vai mamar de manhã…” Porque a partir dessa idade o bebê já está conseguindo compreender melhor a passagem do tempo e já está conseguindo antecipar que este momento agora é seguido por um outro momento que vem depois e vida que segue… Isto não está pronto antes dos 2 anos ou 2 e meio. A partir dessa idade é mais fácil utilizar a ferramenta de negociação, que não depende só do recurso verbal, do bebê estar falando… Mas depende sobretudo do bebê estar compreendendo a fala do adulto e compreendendo a temporalidade na fala do adulto… Temporalidade que envolve a passagem do tempo, presente, passado e futuro, e não só o instante, o imediato, que é a temporalidade própria do bebê.
E como fazer?
Observo algumas situações que podemos aproveitar para ajudar na regulação. Para ilustrar, um bebê está habituado a mamar todos os dias num mesmo horário, por exemplo quando a mãe volta do trabalho e eles se reencontram. Isso é muito comum, o momento de matar as saudades (não necessariamente de matar a fome mas um momento de contato, proximidade). Um certo dia, ele está tão entretido brincando, ocupado com o seu próprio projeto de interesse naquele momento que ele se esquece de pedir para mamar. Nossa!! E agora??? Aí acho que é uma situação bem interessante para começar a regular a amamentação. Porque a partir do momento em que o bebê esquece de uma mamada que ele estava sempre habituado a fazer, ele está dando uma dica pra gente, uma mensagem, de que talvez ele não precise tanto daquela mamada naquele momento naquele dia e se isso for se repetindo eventualmente também nos outros dias, vamos confirmando essa hipótese… Então, é um momento da mãe se observar para ver se ela está sabendo fazer essa leitura, não ser ela a que propõe essa mamada, automaticamente. Podemos ficar bem atentas para sermos discretas nesse momento, sem fazer alarde sobre o assunto, e ver se a partir dali já há uma mudança se insinuando nessa rotina que vinha vindo… A partir desses sinais do bebê, vamos percebendo que podemos investir em outras formas de conexão alternativas, que ele já está pronto para essa mudança. Por exemplo, substituir peito por cosquinha, por colo, por beijo, abraço, por brincadeira… e limites concretos, neste momento quando o bebê está pronto e só precisa de uma pequena ajuda com oportunidades para descobrir outras formas de prazer e contato, são sempre bem-vindos. Por exemplo, colocar um blusa ou um vestido que não permite a amamentação! Aha! Neste momento o guarda-roupa das mães muda das blusas com botões na frente e decotes, blusas largas, para blusas de gola alta, vestidos etc, como esta da foto… rsrsrrs Para um bebê que está pronto para abdicar de mamar numa determinada situação, uma justificativa como essa “Poxa, filho, com esta roupa não dá para mamar…” é suficiente, ele pode se conformar pois já descobriu outros caminhos para atender suas necessidades… Pode gerar um lamento, mas não um grande protesto incontornável.
A dica é aproveitar os “esquecimentos do bebê” para ver se aí não tem um sinal de uma mamada se despedindo e ter um cuidado para não adotar argumentos artificiais na hora de fazer a negociação. Negociação que pressupõe a compreensão temporal. Um cuidado importante é não dar para as crianças explicações artificiais, que não vão se sustentar no decorrer do tempo… Por exemplo, “você só pode mamar em tal poltrona” ou “você só pode mamar quando estiver de dia/noite”… Porque se não houver um motivo real para restringir a amamentação a essa situação peculiar, ou seja, for uma justificativa artificial, só para ter uma justificativa qualquer, a mãe vai provavelmente entrar em contradição em algum momento. Quando quiser amamentar e não estiver naquela situação específica que ela disse ao bebê que seria adequada à amamentação, está quebrada a regra que ela mesma estabeleceu e com isso também prejudicada a relação de confiança.
Bom, me despeço aqui, contente em compartilhar algumas ideias com mães que estão indo em frente nessa jornada maravilhosa, muitas vezes se sentindo perdidas, ainda que fazendo algo maravilhoso com os filhos. Espero num próximo artigo abordar este processo de regulação no período da noite. Cultivando e fortalecendo este “regalo para toda la vida”, como diz Carlos Gonzales.
Juliana Breschigliari