“Retome sua vida de antes como se nada tivesse acontecido. Volte a trabalhar. Emagreça. Faça exercícios. Cuide da sua relação conjugal. Vá à rodas de mães. E a reuniões de trabalho. Vá a um congresso. Escreva uma tese. Tem todo um mundo te esperando lá fora. Deixe-o chorar. Espace as mamadas. Não o acolha. Não faça drama. Castigue, premie, chantageie, ameace. Prenda-o ao carrinho de passeio e à cadeirinha do carro. Não importa que chore. Nem pense em dormir com eles. Não dê muito colo, vai que se acostuma. Procure uma boa escolinha, um bom colégio, de preferência que seja bilíngue. Coloque limites. Ele tem que se adaptar ao seus horários e não o contrário. Domestique. Acostume-o à carência, à falta, à ausência de carícias, de mimos, de amor, de beijos, de prazer. À estranheza perpétua. Ao desconsolo. À pressa. A este mundo cruel onde a empatia brilha por sua ausência. À vida neste vale de lágrimas.”
Este texto traduzi e adaptei do livro “Palabra de madre”, da psiquiatra perinatal espanhola Ibone Olza, com quem tenho feito meus estudos em saúde mental perinatal.
Nessa época em que lutamos pela defesa da democracia, vale a pena refletir sobre a origem muito significativa da ruptura dos vínculos de respeito e reciprocidade em nossa sociedade. Já parou para pensar que a falta de amor e de cuidado com o próximo começa já na violência contra mães e bebês desde a gestação, nascimento e aleitamento? Mães e bebês parece que não importam para os seus familiares, profissionais, vizinhos. Em seu momento mais sensível, enfrentam as maiores barreiras para nutrirem positivamente seu laço afetivo, o primeiro de todos na vida do bebê e o mais significativo de toda a vida para muitas mulheres. Quais barreiras? Essas todas exemplificadas no texto, excesso de cobranças e falta de apoio. A sociedade peca pelo excesso e pela falta na fase mais crucial do desenvolvimento humano. O quão difícil pode ser para alguém ter uma verdadeira esperança no futuro depois de lhe terem usurpado de forma tão aleatória os momentos mais preciosos na sua chegada ao mundo? Onde começamos a sentir que a vida pode ser boa e que vale a pena confiar no outro ou todo o contrário?
São questões que tenho me perguntado todos os dias ao me encontrar carregada de amor e gentileza com os bebês que fomos um dia e que continuarão a viver dentro de nós até a nossa morte.