Puerpério na quarentena: você já identificou o esquema familiar que opera na sua casa?

Puerperio - Khalaó

O puerpério geralmente é um período de muitas quebras de expectativas, na nossa cultura, na nossa sociedade. O nascimento de um filho é um momento de crise e é esperado que seja vivido desta forma. O nosso estranhamento com isso se deve justamente ao fato de que fala-se pouco ou da forma mais abrangente sobre a experiência das famílias neste momento da vida. São poucas as mulheres que passam pelo portal da parentalidade, que é o parto, tendo uma ideia mais ou menos próxima do que de fato vão encontrar do outro lado desse túnel.

Geralmente a gestação é um período muito povoado por idealizações e perde-se muito tempo com preparativos que não vão ser úteis ou ter qualquer importância na vida concreta daquela família que está nascendo. Mesmo as mulheres mais antenadas geralmente chegam até o parto e se preparam para um parto humanizado sabendo tudo. Mas a amamentação que começa 3 dias depois do parto já não têm muita ideia. Junto com o bebê, nasce a família. O casal que não tinha filhos deixa de ser apenas um casal e passa a ser uma família e isto representa uma mudança gigantesca de diversos pontos de vista. Este é um dos aspectos que são importantes no puerpério, mas existem muitos outros. Por isso eu fiz o ebook plano de pós-parto: com o que vc precisa se preocupar realmente. Os assuntos que estão lá que eu considero que são fundamentais para um pós-parto consciente são:

– Gestação e parto⠀

– Rede de apoio⠀

– Relação conjugal⠀

– O sono do bebê⠀

– O quarto do bebê⠀

– Cuidados com o corpo⠀

– Retomada da vida social⠀

– A própria infância⠀

Falando sobre a quarentena, acho que cada família está vivendo de um jeito. Tenho lido que as famílias puérperas estão em grande sofrimento porque não tem a rede de apoio que pretendiam. E é verdade, são desfalques difíceis de lidar num momento tão delicado. Mas vejo que também pode ser muito positivo por outro lado algumas situações que a quarentena possibilita. Primeiro, se o marido passa a fazer home office, terminam os 5 ou 20 míseros dias de licença e ele pode estar mais em casa, o casal pode pelo menos almoçar junto, podem conversar, tem mais oportunidade de se conectar um ao outro e além de tudo ele pode trocar uma fraldinha durante a tarde… Isto se o ritmo de home office não permitir participar mais. Cada vez mais temos visto pais participativos no cuidado dos filhos desde bebezinhos e isto é maravilhoso, é uma super oportunidade que a quarentena traz já que não temos ainda licença paternidade decente. Nem maternidade. Isso vale também para as mães que de repente estavam voltando ao trabalho com bebê de 4, 5, 6 ou 7 meses e entraram em homeoffice. Pode ser muito melhor trabalhar de casa nesta fase em que a amamentação é muito intensa, não precisar ordenhar… estar mais tempo com o bebê pequeno é ótimo para ele e para a construção do vínculo com os pais, que são os principais cuidadores.

Aqui acho que vale lembrar da teoria do apego, acho que estudo mais do que recomendado para pais que estão iniciando nessa jornada, é uma das minhas teorias referência para trabalhar em saúde mental com as questões emocionais dos casais com criança pequena e para compreender também o desenvolvimento das crianças. O apego o que é? Falando muito resumidamente, é um conjunto de condutas instintivas que vão ocorrer entre a mãe e o bebê e com outros cuidadores também no sentido de favorecer o estabelecimento dos vínculos afetivos que o bebê precisa para se desenvolver plenamente. Uma mãe saudável tende naturalmente a apresentar comportamentos de apego, que são por exemplo vontade de pegar o bebê no colo, vontade de cheirar, de falar com o bebê de forma carinhosa, de acalmar o quanto antes possível se ele chora, de sorrir para ele… esses são comportamentos instintivos que iniciam o processo de estabelecimento do vínculo extra-útero. A mãe que tem uma boa estrutura emocional, não tromba com muitas informações equivocadas e segue seus próprios instintos faz isso. Mas como temos milhares de influências culturais, sociais e de diversas orientações diferentes, o que ocorre é que muitas mulheres acabam se desconectado de seus instintos e da própria criança ainda nessa fase em que é muito importante a fusão mãe-bebê, o que é  muito prejudicial para toda esta família que está se formando. Eu brinco que para reconectar com os nossos instintos parece que precisamos fazer uma pós-graduação. E é quase isso mesmo. Eu li tanto no primeiro ano de vida do Paco e continuo lendo tanto, estudando tanta coisa, tem a ver com o meu trabalho, claro, mas  acho que pais que estudam, que leem, que buscam orientação de base científica e ajuda profissional para lidar com as próprias necessidades emocionais têm muito mais chances de desempenhar bem o seu papel e lidar de forma mais leve com a chegada dos filhos.

Voltando à questão do puerpério na quarentena, um outro ponto que me parece uma vantagem é a questão da não interferência de outras pessoas. Estou falando aqui das avós mas também das visitas, das pessoas que não tem muita noção e vem cheias de palpites onde não foram chamadas. Pode parecer brincadeira mas ficar livre desses pitacos no puerpério pode ser impagável! Por que eu dou tanto destaque pra isso? Porque eu vejo na clínica quantos casais enfrentam inúmeras dificuldades no relacionamento após o nascimento dos filhos porque mal conseguiram processar a informação da chegada do bebê e das mudanças todas que ocorreram na casa, entre eles, e já tem um monte de gente em cima querendo dizer o que eles devem ou não fazer. Isso é super perigoso e é o que leva muitos casais a se separarem após os filhos. A maioria dos divórcios acontece entre casais com filhos de até 2 anos. A dificuldade em proteger o núcleo familiar nascente de invasões e interferências neste momento da sua fundação é ao meu ver um fator que concorre muito para isso. Junto com o bebê nasce a mãe, nasce o pai. E esses nascimentos todos são permeados de muitas dúvidas, muitas inseguranças, muitas incertezas… quanto mais esse casal estiver conectado, essas duas pessoas funcionando em sintonia e bem informadas para que possam fazer suas próprias escolhas com confiança, melhor… e se não estão, se pelo menos uma das partes percebe isso, é importante buscar ajuda para tentar construir esse caminho, ver a melhor forma de proteger esse núcleo familiar nascente de ter suas fronteiras ameaçadas. Vamos lembrar que a base da rede de apoio é a relação do casal, não é uma avó, uma diarista nem a escola. Se a família e sua rede de apoio fosse uma pirâmide, eu diria que a estrutura principal é o casal e no topo está a criança. Os outros pontos de apoio colaboram para o equilíbrio. 

No livro “A maternidade e o encontro com a própria sombra”, Laura Gutman fala de alguns esquemas familiares, que são formas como as relações se organizam nos casais após a chegada dos filhos. Geralmente no relacionamento dos casais as mulheres apoiam emocionalmente os homens.

1) Quando nasce o primeiro filho, a mulher passa a apoiar o bebê e a sentir necessidade de receber apoio do marido, que por sua vez não só não sabe como apoiar a mulher como também se sente abandonado por ela. Então, as flechinhas do esquema seriam mãe apoiando criança e marido, sem receber apoio nenhum. Isso tende a levar ao esgotamento desta mulher, ao desgaste do relacionamento do casal e de ambos com o filho. 

2) Se temos um relacionamento no casal do tipo “sociedade”, os adultos se apoiam um ao outro e nenhum deles apoia a criança, que não tem lugar na família. São os casos em que as mães relatam que não sentem o puerpério, que tudo flui de uma forma tranquila, porque não entraram efetivamente em fusão emocional com a criança, que fica absolutamente sozinha.

3) Quando o casal tem um relacionamento harmônico e maduro emocionalmente antes da chegada de um filho, geralmente um apoia o outro. Então, a flecha seria da mulher para o homem e vice-versa, uma via de mão dupla. Quando chega o bebê, esta flecha da mulher para o homem se desloca temporariamente para o bebê e o homem, que já está habituado a apoiar emocionalmente a mulher antes da chegada do filho, ele não tem um problema porque ele só continua oferecendo a sustentação emocional para a mulher para que esta possa oferecer ao bebê, formando uma cadeia de apoio virtuosa. “Quando o pai está unido à díade por meio do apoio emocional à mãe, fica envolvido, constituindo assim a tríade.” 

É interessante identificar qual dos esquemas acima opera em cada família para que isto possa ser trabalhado. Nas sessões de psicoterapia fazemos este trabalho.

Por fim, vou falar da questão profissional das mulheres e da volta ao trabalho. Na nossa sociedade, o trabalho acaba sendo o primeiro separador emocional entre mãe e bebê, a primeira coisa que faz com que mãe e bebê fiquem algumas horas longe um do outro e comecem este processo gradual de construção de autonomia por parte da criança e de retomada da vida individual por parte da mãe. Bom, isto muitas vezes acontece através da saída de casa, que permite que a mãe não esteja de fato por perto quando o bebê chora e dê espaço a outros cuidadores. Bom, este processo de separação na situação de quarentena está um tanto mais difícil porque lidar com esse distanciamento mesmo estando em casa ali do ladinho é bem mais desafiador, não quer dizer que não possa ocorrer… Então, de novo voltamos aos acordos que podem ser feitos com quem está junto no revezamento com a criança dando suporte a este processo. Tenho ouvido experiências boas nesse sentido, de pais que estão mais presentes por causa da quarentena e mães que estão conseguindo se liberar mais para fazer suas coisas. E outras experiências difíceis de mulheres que têm carreira, que têm compromissos profissionais e não estão conseguindo, que está difícil implementar um revezamento efetivo. E aí é muito angustiante… Acho uma ótima questão para trabalhar nas rodas maternas do amanhecer ou em psicoterapia.

Para terminar, uma dica sobre amamentação, para quem estiver amamentando nas madrugadas frias. Utilize uma gola falsa, aqueles cachecois fechados que aquecem o pescoço sem enforcar. Ninguém merece ficar com o colo exposto passando frio enquanto amamenta. Isto pode ser muito desolador. E outra dica sobre troca de fralda, aqueça a água para molhar o algodão. Água gelada no bumbum nesse frio é forçar muito a amizade! 😉

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