Uma mulher procura atendimento para a filha de 6 anos pois esta passou férias com o pai (os pais são separados) e sofreu um acidente, sem ter sido devidamente amparada. A menina faz diversos desenhos que mostram o quão assustada ficou com a situação. A mãe tem medo de que a pequena se sinta negligenciada outras vezes quando está com o pai e está sofrendo com isso pois não quer interferir na relação pai-filha. Seu pedido inicial era de um atendimento para a filha, para ajudá-la a lidar com o pai que tem. Porém, ela própria, a mãe, não tinha para si um espaço em que pudesse se fortalecer para lidar com uma situação tão conflituosa.
A situação envolve sua primeira e única filha, com quem vinha se descobrindo como mãe e revivendo suas próprias experiências como filha, ao mesmo tempo em que exercia sua responsabilidade como cuidadora; e envolvia seu antigo relacionamento, cujo desenrolar e término foram dolorosos. Convidei-a a olhar para si e neste processo buscarmos novas possibilidades de manejo dessa situação, com base no acolhimento das experiências dela na proximidade com a filha e de orientações sobre o desenvolvimento infantil. Demos início a sua psicoterapia, combinando reavaliar a necessidade de um atendimento para a filha futuramente. Ficou claro que ela era capaz de prover o cuidado que a menina precisava naquele momento.
Numa cultura em que não é permitido ter fraquezas, inseguranças, não saberes, é através das crianças que os adultos conseguem ajuda para si. Cuidado esse que também reverbera na criança quando o adulto se permite recebê-lo. Na minha perspectiva, uma menina de 6 anos não tem como dar conta de um pai negligente. Crianças são recém-chegadas no mundo conhecido dos adultos. Precisam ser amparadas na medida certa em suas experiências. Mesmo que seja atendida diretamente, o que não considero que seria ruim, ela continuará tendo apenas 6 anos e dependerá muito do cuidado dos adultos para entender e se situar no mundo. Neste caso, a mãe que busca ajuda fará o que estiver ao seu alcance para protegê-la não só neste momento, mas em muitos outros; e para cuidar-se a si mesma em meio ao turbilhão de acontecimentos que chegaram em sua vida com a maternidade.
Quando junto da criança nasce a vontade de cuidar e proteger, é preciso apoio e confiança. Cuidar do adulto é cuidar da criança que tem nele e também das que eventualmente estão fora dele, sob sua proteção. A criança interior é a guardiã da semente de uma experiência parental libertadora e verdadeira.
*Post baseado em um caso real, autorizado pela paciente