Este post é sobre o que aprendi nesse período “cuidando com” famílias no pós-parto. Escrevi pensando nas famílias puérperas que talvez possam se identificar com esse apanhado geral e se sentirem acolhidas, espero eu, e também nos casais grávidos que tenham se sentido tocados pelo tema.
O parto leva a fama do culpado pelas depressões mas na verdade muitas vezes foi maravilhoso, na água, em casa ou no hospital, com equipe humanizada, com intimidade e privacidade. Na grande maioria das vezes diferente do planejado, é verdade. Tudo o que sabemos sobre o parto antes dele acontecer é que será diferente das nossas expectativas! Mas atualmente tem transcorrido com menos violências do que nossos pais viveram. Temos conseguido cada vez mais, com o esforço dos profissionais humanizados (obstetras, parteiras, doulas, neonatologistas) e as famílias que buscam informações e cuidados para si, melhorar a qualidade dos partos brasileiros. Melhorar, eu enfatizo. Ainda assim o aviltamento à dignidade das mães, pais e bebês nesse momento tão importante acontece e muito. Por isso a importância de se planejar e pensar muito bem nas próprias escolhas para conseguir trilhar um caminho de acolhimento nessa travessia para a parentalidade. A história do bebê que vai nascer já começa nessa pré-história.
Mas e o pós-parto? Como fica? Como está o cenário das famílias após a chegada do bebê?
As histórias que tenho acompanhado são diversas. Capítulos dos mais serenos aos mais turbulentos, todas têm o seu. E delas pude depreender alguns “temas” que aparecem com mais destaque, que com prazer compartilho aqui:
– elaboração da experiência de gestação e parto: a maneira como a gestação e o parto acontecem nos marca muito o corpo e a alma. Falar sobre como foram vividos esses meses de gestação e essas horas, às vezes dias, que antecederam a chegada do bebê, quem estava próximo, quem foi de ajuda (profissionais e familiares), quem atrapalhou, as expectativas atendidas ou não, o que poderia ter sido diferente que não sai da cabeça, o que faria diferente numa próxima, o que ficará marcado na memória para sempre… Tudo isso se faz extremamente importante e delicado. Minha escuta das famílias puérperas muitas vezes, por opção delas, começa por aí.
– relação com a família: os familiares têm um peso muito grande nessa hora. A criança é nova no mundo, lançada numa rede de relações pré-existente, cuja porta de entrada é a família, não só os pais como também outros familiares. Neste momento, o modo da participação dos avós, principalmente, marca muito os pais. Os extremos são complicados. Avós muito ausentes, indisponíveis, distanciados emocionalmente. Ou invasivos, demandantes, que não se situam no lugar de suporte em relação aos pais que estão nascendo também enquanto pais junto com o bebê. Os avós atualmente trabalham e não têm muito tempo disponível para o cuidado dos netos, é o que tenho ouvido com mais frequência.
– relação do casal: a parceria é um grande desafio. Atualmente somos muito independentes e levamos uma vida livre em relação aos nossos companheiros, cada um tendo seus compromissos, sua rotina, sua individualidade. Porém, com a chegada do bebê, se instala uma dependência enorme deste com relação à mãe (para as mães que amamentam certamente mas para as demais também) e esta mulher independente se vê precisando de ajuda para quase tudo, nessa mistura entre ela e o bebê. Suas rotinas mais básicas, como se alimentar, ir ao banheiro, dormir, tomar banho requerem a presença de alguém capaz de cuidar. O sexo também muda, a começar pelo fato de que o casal mal consegue dormir que dirá fazer outras coisas. Os que mais dormem são os que deixam o filho na própria cama. Entra como questão a ser negociada de acordo com as vontades e disponibilidades de cada um.
– amamentação: amamentar é uma função extremamente exigente e potencialmente prazerosa. Digo potencialmente pois muitas mães vivem períodos doloridos na amamentação e que ao contrário do que se fala frequentemente não se restringem apenas aos primeiros dias ou semanas. Porém, é uma experiência extremamente significativa para a família, para o bebê nem se fala, ter esse contato físico em pequenos intervalos, conforme a sua necessidade, via esse cordão umbilical fora do útero que é o peito materno. Nosso grande problema ao meu ver tem sido a quantidade assustadora de orientações diferentes e desencontradas com relação a este assunto, muitas desatualizadas, e o quanto às mães se sentem perdidas, muitas vezes já no hospital, em relação a quais caminhos seguir.
– vida profissional: a volta ao trabalho após a chegada do bebê. As mães têm questionado bastante os períodos curtos de licença maternidade e paternidade brasileiros, a falta de flexibilidade dos contratos de trabalho com relação à carga horária quando do retorno após a licença e o próprio sentido de voltar a desempenhar as mesmas funções e atividades que desenvolvia, sobretudo quem já tinha um incomodo com o trabalho antes da maternidade. Esse é um outro setor da vida que sofre um chacoalhão. A grande questão é como lidar com as necessidades financeiras da família por um lado e com a vontade de ficar mais com a cria por outro.
– feminilidade e cuidados com o corpo: dependendo de como foi o parto, a mulher vive um período mais ou menos longo de recuperação. Quanto mais natural o parto, mais rápido e tranqüilo esse processo. Uma questão que aparece bastante é a preocupação com o emagrecimento, sobretudo quando a amamentação não se estabelece pois ela ajuda bastante nessa recuperação do peso normal. Por outro lado, muitas mulheres também emagrecem muito e se alimentam mal no pós-parto por dificuldade de organização e rede de apoio que garantam essa qualidade. O tempo para o cuidado de si é mais restrito, mas não deixa de ser importantíssimo para esta mãe. Mesmo que ela quase não consiga sair de casa nos primeiros meses, costuma sentir necessidade de encontrar um tempo para se cuidar e estar minimamente bem consigo mesma. Como mulher adulta, está extremamente habituada a isso e por mais que por vezes todos inclusive ela mesma se esqueça disso, ela não é o bebê.
– retomada da vida social: este tema geralmente surge quando os bebês têm cinco ou seis meses e as mães não voltaram ao trabalho por algum motivo, tendo ficado exclusivamente cuidando do bebê, ou quando o bebê já tem mais tempo e os pais sim, voltaram ao trabalho e por isso mesmo não tem tempo algum para sair com amigos ou a dois para uma programação adulta. Ficamos sedentos por um convite! Ao mesmo tempo quando vem aquele convite de casamento ou aniversário irrecusável, não sabemos muito bem como deixar a cria com outra pessoa à noite ou por muitas horas. Necessidade legítima dos pais, esse desejo de sair para relaxar, se divertir e reavivar as amizades é importante e desafiador.
– imagens da própria infância: como diz a conhecida psicóloga argentina especialista em maternidade Laura Gutman, a maternidade nos traz ao encontro da nossa própria sombra. A proximidade da chegada do bebê muda sensivelmente nosso lugar no mundo, colocando em pauta questões que antes não tínhamos sobre nós mesmos, lembranças, pensamentos, sonhos. Tudo isso vem com muita riqueza para quem consegue aproveitar num caminho de auto-conhecimento. É a linha divisória entre os casais que vão reproduzir o que receberam, sem filtro, ou vão dar conscientemente o próprio tom à criação dos filhos.
– segundo filho e mais: depois de tudo isso, o casal se pergunta “Vamos encarar outro filho? Passar por tudo isso de novo…?” Quanto tempo de intervalo entre um e outro, se a família terá condições financeiras, se acham importante a vivência entre irmãos ou não, se o casamento resiste a mais uma jornada… Isso quando os chamados segundinhos não vêm inesperadamente e chegam no meio da loucura do primeiro filho ainda pequeno!
Bom, esse foi o apanhado geral, sabendo que muitas coisas importantes ainda ficaram de fora. Um plano pode ser uma estratégia organizada e pode ser um traçado peculiar. Emprestando o termo do cinema, a mirada que reúne os elementos de destaque, do que é mais importante na cena. Espero ter contribuído para uma compreensão mais aproximada do pós-parto concreto ou dos muitos pós-partos possíveis, nos planos de vocês!
Um abraço!
gostei muito do artigo. acho q necessito uma orientação medica para resolver meu problema de obesidade
Olá, Vitória. Que bom que gostou do artigo! Estou à disposição para agendarmos um horário. Será um prazer ajudá-la!