“Dormir”, “estar nos braços de Morfeu”… seja como for que chamemos, é algo especial. É uma necessidade tão básica da vida como é o comer, o beber e o respirar. Por isso, a natureza se encarrega, desde antes de nascer, de que saibamos fazer essas coisas desde o instante em que vemos a luz.
Um bebê acaba de nascer e começa a respirar por si só: esse primeiro gesto nos avisa de seus recém estreados pulmões. Também sabe tomar seu alimento, se lhe oferecem. De fato, numerosos estudos indicam que se lhe dão livre acesso ao peito de sua mãe, durante as duas horas posteriores ao parto, a maioria dos bebês se acoplam sozinhos e corretamente.
[Talvez os estudos mais conhecidos sejam os publicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no documento Provas científicas dos 10 passos para uma lactância natural e feliz.]E também nascem sabendo dormir, como já vimos anteriormente.
E não só sabem se não também, segundo as estatísticas, é algo que praticam na maior parte do dia, entre 14 horas os mais despertos e 20 horas os mais dorminhocos.
Os recém-nascidos necessitam comer frequentemente para evitar hipoglicemias (declínio do nível de açúcar no sangue) e crescer. Recordem que durante o primeiro ano vão triplicar de peso. Nunca mais na vida crescemos tanto de forma natural!
Portanto, não podem ter um sono muito continuado e necessitam pequenas sonecas ao longo das 24 horas do dia para poder despertar frequentemente e comer. Se os bebês tivessem o mesmo tipo de sono que temos os adultos seria muito perigoso para eles. Pensem que os bebês que nos primeiros dias têm períodos de sono excessivamente longos e fazem suas mamadas muito espaçadas costumam ser a preocupação de muitos pediatras. Em geral, é melhor para a saúde que um bebê seja desperto e comilão do que extremamente sonolento e inapetente.
A excessiva sonolência e inapetência em recém-nascidos está associada a bebês hipotônicos ou com patologias relacionadas ao atraso mental, síndrome de Down, etc; daí a preocupação dos pediatras. De toda forma, nem sempre uma criança estar sonolenta e inapetente implica que esteja doente.
Sempre acabamos chegando ao mesmo ponto: o sono e as necessidades da criança vão de mãos dadas, enlaçados inseparavelmente como ligações de uma mesma cadeia.
Esta é a razão pela qual vamos explicar o que requerem os bebês deste período (0 a 3 meses), para ver como o sono vai se adaptando a tudo aquilo de que vão necessitar:
1) E… O que um bebê de 0 a 3 meses necessita?
* alimentar-se frequentemente;
* manter o alerta de um cuidador;
* desenvolver a mente;
* amadurecer;
* exercitar a sucção.
Alimentar-se frequentemente
Já falamos bastante sobre a importância de comer frequentemente para crescer e evitar hipoglicemias.
No caso dos bebês amamentados, comer frequentemente também ajuda a estabelecer o aleitamento materno.
É por essa razão que as principais organizações em matéria de alimentação infantil recomendam que a alimentação nos lactantes seja à demanda, quer dizer, tão frequente quanto eles peçam e que, sob nenhuma circunstância, lhe atrasem desnecessariamente a ingestão de alimentos.
Assim, como vêem, não há nada pior para um lactente (e nesse sentido não faz diferença entre aleitamento materno ou artificial) do que pautarem os horários de suas mamadas. Descartem, portanto, qualquer conselho neste sentido, pois não só carece de fundamento, se não que pode resultar prejudicial.
Manter o alerta de um cuidador
Nossos bebês se diferenciam pouco dos que nasceram milhares de anos atrás. Naquela época, viviam mais os que, quando separados de suas mães, conseguiam mantê-las mais em alerta (quer dizer, os que mais protestavam).
Pensemos por um momento que, nessa época da história possamos imaginar as seguintes cenas:
Cena 1
Dois bebês Flintstones estão com suas mães recolhendo frutos. Dormiram e, como estão gordinhos e pesam muito, suas mães se sentem tentadas a deixá-los em um leito improvisado de palha, no solo, para continuar seu trabalho.
No instante seguinte os bebês despertam chorando. Em um dos casos, a mãe acode o filho em seguida, o pega do colo, o consola e o leva com ela. No segundo caso, a mãe faz “ouvidos moucos” enquanto a maioria dos predadores da região começam a agudizar o ouvido enquanto afiam seus belos caninos.
Qual bebê tem mais possibilidades de sobreviver?
Cena 2
Dois bebês Flintstones estão com suas mamães recolhendo frutas. Acabaram dormindo e, como estão gordinhos e pesam muito, suas mamães se sentem tentadas a deixá-los no chão em um leito de palha improvisado para continuar seu trabalho.
Em pouco tempo, o primeiro deles, um bebê muito inquieto e comilão, acorda chorando. Sua mãe o acode em seguida, pega-o no colo, consola-o e volta a deixá-lo. Quando a cena já tiver se repetido várias vezes, a mãe, mulher prática, decide levá-lo atado a ela para poder realizar seu trabalho.
Por outro lado, o outro bebê, que é dos que acordam e não reclamam, passa muitas horas sem ver sua mãe, que prossegue sua coleta tranquilamente pelos campos mais afastados dele. Enquanto isso, atraídos pelo cheirinho do pequeno homenzinho das cavernas, uma matilha de lobos selvagens decide fazer um lanche.
Qual das duas mães têm mais probabilidade de ser avó?
Adivinharam? Nós somos descendentes deles, dos reclamões, e seguimos fazendo o mesmo para sobreviver: buscar que nos vigiem enquanto somos imaturos.
Os humanos são uma espécie altricial, quer dizer, quando nascemos, não nos valemos por nós mesmos, mas sim precisamos do cuidado do outro, em geral, da mãe. Por isso as crianças choram quando se sentem sozinhas, por isso as mães levam seus bebês no colo ou atados a seu corpo.
Certamente pensariam que hoje em dia isso não é necessário uma vez que em nossa sociedade não há predadores e os pais se preocupam com seus filhos. Pois não. Descartando toda a população mundial que ainda vive em sociedades primitivas, na selva ou no deserto, expostos a perigos semelhantes, ainda restam as crianças nascidas em famílias que não se ocupariam delas se não protestassem. Por acaso pensam que a frase “quem não chora não mama” foi inventada ontem?
Portanto é muito importante ter recursos e mecanismos desde que nascemos para manter nossos progenitores por perto. Um deles é alternar breves períodos de vigília com períodos de sono.
Desenvolver a mente
Todos concordamos que o ser humano desde que nasce até que seja adulto vai desenvolver sua mente e sua cognição de forma assombrosa. O homem é capaz de aprender infinidades de coisas e fazer da sua mente e seu cérebro uma ferramenta poderosa.
Para consegui-lo, desde o instante em que nascemos (inclusive antes), nosso cérebro desenvolve conexões através dos estímulos que recebe.
De onde um recém-nascido tira essas estimulações se dorme a maior parte do dia? Pois bem. Além dos períodos em que está desperto, basicamente graças a seu estilo de sono: superficial (capaz de despertar-se diante de novos estímulos) e com uma grande porcentagem de sono REM (aquela em que, apesar de dormir, nosso cérebro está mais ativo).
Amadurecer
Imagine um pequeno potrinho recém-nascido: em pouco tempo perambulando ao lado de sua mãe e já está enganchado a ela mamando. Tirando seu tamanho e de sua alimentação, existem poucas diferenças de como será quando for maiorzinho.
Mas um bebê humano não. Um bebê humano é muito diferente de um adulto tanto em nível físico quando sensorial ou comportamental. Quando nascemos temos pulmões semi-prontos, não sabemos andar, nem falar (muitos pais dariam o que fosse para que seus bebês dissessem o que lhes passa quando choram) nem sequer temos toda a dotação sensorial de um adulto.
Como já dissemos anteriormente, somos uma espécie altricial, quer dizer, somos seres muito imaturos e necessitamos dos cuidados de outros para sobreviver. Em geral, fisicamente, vimos muito mal preparados ao mundo. Somos débeis em muitos aspectos. É muito importante que desenvolvamos esta maturação que nos permitirá um dia sermos independentes e autônomos.
Exercitar a sucção
Um bebê necessita sugar várias horas por dia, não só para comer, se não porque é (junto com o choro) um dos poucos meios que tem para expressar-se e consolar-se. Também lhe ajuda a conhecer o mundo que lhe rodeia, já que através da boca aprende sensações como quente, frio, doce ou amargo, suave ou áspero. Um bebê necessita mamar para acalmar-se da agitação, para relaxar-se… para quase tudo! É por isso que inventaram as chupetas (uma imitação grosseira do peito, em silicone).
Portanto o sono infantil vai favorecer tudo aquilo de que necessita um bebê, porque vai se sincronizando com suas necessidades.
2) Então, como é o sono nessa idade?
* Bifásico
* Ultradiano
* Polisequencial
* Maior porcentagem de sono REM que no adulto
* Inicio do sono diretamente na fase REM
Bifásico
Tem somente duas fases (sono ativo ou REM e sono lento), de uma duração de uns 50-60 minutos. Por isso dificilmente vai fazer sonecas de maior duração sem despertar-se. Pode ser que pouco a pouco vai juntando uma fase à outra, o que lhe permitirá dormir um pouco mais, mas no princípio não é assim.
O caráter bifásico faz com que a criança se desperte frequentemente para poder comer, coisa que já vimos que evita hipoglicemias. O ato de comer frequentemente também lhe ajuda a manter a produção de leite na mãe neste primeiro período de sua vida, portanto, está lhe assegurando sua alimentação. Isso sem mencionar que seu estômago é muito pequeno e as quantidades que pode ingerir também.
Além disso, se desperta para poder estimular-se e conhecer, pouco a pouco, o entorno. Isso desenvolve sua mente, mas cansa rápido e requer dormir outra vez para novamente voltar a despertar quando esteja descansado e possa aprender melhor. A maioria dos recém-nascidos tem surpreendente capacidade de desconectar quando recebem demasiados estímulos, algo que se desaprende com o tempo.
O estar desperto lhe ajuda a mamar melhor (ainda que muitos também possam fazê-lo quase dormindo) e a relacionar-se com sua mãe.
Também propicia a atenção (manter o alerta) da pessoa que lhe cuida, já que ao saber que pode acordar frequentemente ninguém deixa um bebê sozinho durante muito tempo.
Ultradiano
Não diferencia entre o dia e a noite. Portanto o bebê está garantindo que as oportunidades de alimento e todas as suas necessidades também lhe sejam dadas à noite.
Polisequencial
Quer dizer, se divide em várias sequências ao longo de todo o dia. A diferença do adulto é que este tem o sono unisequencial (só dorme à noite e eventualmente alguma soneca). Isso lhe ajuda a manter seu cuidador próximo, a comer frequentemente e a descansar muitas vezes do bombardeio de estímulos que recebe no princípio de sua vida e assimilá-los através do estágio REM: isso desenvolve sua mente.
Maior porcentagem de sono REM que no adulto.
Acredita-se que durante o sono REM nosso cérebro integra as aprendizagens. Um bebê que somente está acordado entre 20 e 40% do dia precisa integrar bem as aprendizagens que realiza em tão pouco tempo, assim como estimular-se nas horas que dorme. Neste sentido o sono REM parece que também ajuda os bebês a desenvolver sua mente durante o sono.
Inicio do sono diretamente na fase REM
O bebê, à diferença do adulto, pode entrar na fase REM diretamente sem passar pelas outras fases de sono lento. O motivo? Se supõe que enquanto o sono profundo ajuda o indivíduo a descansar o corpo, o sono REM ajuda a reorganizar o cérebro, a memória e os processos de aprendizagem. Um bebê não costuma se cansar muito fisicamente durante o dia (uma vez que passa 70% do tempo dormindo), por outro lado, precisa amadurecer muito em nível mental. Ao ter ciclos de sono muito curtos prioriza o sono REM, que lhe ajudará a conseguir seus objetivos.
Vêem? O sono de um bebê recém-nascido está perfeitamente adaptado às suas necessidades.
Sei que é cansativo atender a uma criança durante a noite, mas sabendo o quão importante é para uma criança esse tipo de sono, garanto que para muitos pais será mais fácil fazê-lo. Qualquer tentativa de alterar essa perfeita sincronia entre sono e necessidades do bebê não é nada boa.
Há profissionais que pretendem (muitas vezes em vão, posto que nossa bagagem genética é forte) que as crianças durmam mais à base de oferecer-lhes comidas mais pesadas ou pautando horários para as ingestões. Pois bem, essas condutas não levam a nenhum outro lugar se não ao final da lactância na maioria dos casos e desarranjos intestinais em outros (nenhum deles desejável a um recém-nascido). E mais, no improvável caso de dormir um pouco mais, também não é desejável para um recém-nascido incrementar de forma artificial seu sono, como já vimos.
A única coisa que favorece o desenvolvimento natural do sono é a lactância materna e a cama compartilhada.
Recordemos que o leite materno tem L-triptofano, que favorece o sono, e o ato de sugar o peito, e não de uma mamadeira, também ajuda. R. Debre e A. Doumic comprovaram que as crianças que mamavam mais vigorosamente se cansavam mais e dormiam melhor. Citamos textualmente:
“Segundo eles, as crianças que se nutrem mal, sobretudo o que mamam sem vigor, dormem mal. As crianças que no peito fazem esforços de sucção mais significativos do que as que sugam de uma mamadeira e além disso tem uma alegria afetiva, estão muito mais satisfeitos e têm um relaxamento do tônus muscular muito melhor que as crianças alimentadas com leite artificial.”
Levy demonstrou que os cachorrinhos amamentados dormiam melhor que os alimentados com mamadeira. Parece que a sucção do peito cansa e relaxa mais. Por outro lado, Levy também demonstrou que os cachorrinhos que bebem uma mamadeira com o orifício grande e portanto com um tempo de sucção curto, tem um sono mais superficial e mais agitado que os cachorrinhos que tomam mamadeira com um orifício pequeno e consequentemente com um tempo de sucção mais prolongado.
A cama compartilhada (dormir com o bebê) também é uma boa opção para ajudar a evolução natural do sono. Neste sentido, J. McKenna demonstrou que a respiração das mães e dos bebês quando dormem juntos se sincroniza, favorecendo que a criança alterne as diferentes fases que vai adquirindo através da respiração de sua mãe. Desta forma, a duração e a qualidade do sono são melhores.
No nível prático, muitos pais já sabem que uma das melhores formas de fazer dormir seu bebê é fazendo de conta que estão dormindo eles também. Conforme o pai ou a mãe imitam a respiração que temos quando dormimos, o bebê relaxa e dorme.
Traduzido e adaptado do original em espanhol “Dormir Sin Llorar”, Rosa Jové.