Um médico responde: Não desfraldem os bebês
Aprender a usar o banheiro não tem nada a ver com esperteza. Os pais que esperam até mais tarde para desfraldar os filhos não estão duvidando da inteligência dos bebês: estão sabiamente permitindo que a bexiga das crianças se desenvolva corretamente.
Por Steve Hodges, M.D., urologista pediátrico
Sou urologista pediátrico, e aqui está minha resposta para os pais da Izabella Oniciuc, aquela criança famosa que desfraldou aos 6 meses: Eu sei que vocês se sentem orgulhosos por ela ter desfraldado tão cedo, mas fiquem de olho, porque ela pode vir a ter problemas.
De acordo com o artigo do Daily Express, Izabela “recusa-se a ir ao banheiro a não ser que seja colocada em cima do vaso sanitário pelos pais”. Se isso for verdade, isso quer dizer que Izabella fica segurando o xixi ou cocô até que os pais estejam disponíveis para erguê-la e colocá-la no vaso.
A família Oniciuc pode estar muito animada e orgulhosa por sua filha conseguir segurar o xixi e o cocô mas, no meu ponto de vista, eles deveriam estar, na verdade, preocupados. Para que a bexiga se desenvolva corretamente, as crianças pequenas precisam fazer xixi e cocô assim que têm vontade. Para a maioria dos bebês, usar fraldas facilita essa eliminação espontânea. (A propósito, eu não recebo nenhum patrocínio da indústria de fraldas, e gosto muito das fraldas de pano.)
Segurar sempre o xixi e o cocô é um mau hábito e, na minha experiência, vejo que crianças desfraldadas prematuramente – principalmente antes dos 2 anos de idade – têm mais predisposição a desenvolver este hábito do que aquelas que deixam de usar fraldas próximo aos 3 anos, embora, logicamente, estes últimos não estejam imunes, e os que desfraldam mais cedo não estejam fadados a desenvolverem esse hábito.
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Em crianças desfraldadas, segurar sempre o xixi e o cocô é a causa de praticamente todos os problemas relacionados, incluindo acidentes com xixi e cocô durante o dia, xixi na cama durante a noite, sentir vontade de fazer xixi com frequência, e infecções do trato urinário. As pesquisas publicadas, incluindo o estudo realizado em nossa clínica em 2012 e publicado no periódico Urology, demonstram que se tratarmos a constipação e evitarmos que as crianças segurem o xixi e o cocô, os acidentes, infecções urinárias e xixis na cama cessam quase completamente.
Nosso estudo apenas confirmou os resultados de uma excelente série de estudos canadenses, liderados pelo Dr. Sean O’Regan. Esses estudos mostraram de forma convincente que as crianças que faziam xixi na cama tinham constipação grave, embora mostrassem poucos ou quase nenhum sinal disso, e que o tratamento da constipação resolveu muito bem a questão do xixi na cama e das infecções urinárias.
Pelos motivos explicados a fundo neste artigo, segurar o xixi e cocô tornou-se uma epidemia na cultura ocidental moderna, e isso continua piorando. Minha clínica está lotada de crianças com diversos tipos de problemas decorrentes desse mau hábito. Uma grande parte dessas crianças foram, como a Izabella Oniciuc, desfraldadas antes dos 2 anos.
Os pais têm “preguiça”
Lendo os comentários no artigo sobre a Izabella, encontramos os argumentos típicos a favor do desfralde precoce: Os bebês são mais espertos do que pensamos! Os pais têm preguiça! Na Índia e no Quênia eles desfraldam super cedo! As fraldas são péssimas para o meio ambiente!
Vamos analisar primeiro a questão da inteligência. A mãe da Izabella, Raluca, disse ao Daily Express: “Os bebês não são burros… E eu acho que ela responde bem assim porque eu sempre a ouvi, desde que ela nasceu”.
Na verdade, aprender a usar o banheiro não tem nada a ver com esperteza. Os pais que esperam até mais tarde para desfraldar os filhos não estão duvidando da inteligência dos bebês e também não são preguiçosos: eles estão, sabiamente, permitindo que a bexiga das crianças se desenvolva de forma saudável.
E as crianças que desfraldam muito cedo não são tão espertas assim. Os filhotes de gatos não são mais inteligentes que os bebês humanos, e aprendem rapidamente a fazer suas necessidades na caixa de areia quando sentem vontade, mesmo porque eles não teriam nenhum motivo para ficar segurando o cocô. Apenas um cérebro evoluído e avançado compreende que, se puder segurar um pouco mais o cocô, pode continuar brincando de princesa por mais alguns minutos (ou horas), sem interrupções.
Bebês e crianças pequenas simplesmente não entendem a importância de evacuar e urinar assim que a natureza chama. E usar o banheiro é diferente de atender às necessidades do corpo de forma consciente e criteriosa.
Quando as crianças aprendem a segurar o xixi e o cocô, o que basicamente corresponde ao conceito de desfralde, elas normalmente passam a fazer isso por tanto tempo e tantas vezes quanto possível. As crianças – e eu quero dizer todas as crianças – não gostam de parar de fazer o que estão fazendo para ir ao banheiro. Isso é um problema, porque cada vez que o esfíncter se contrai para evitar a liberação da urina, cria-se resistência na bexiga.
E o que acontece quando os músculos atuam contra uma resistência? E igual na academia, quando treinamos os bíceps: Eles ficam maiores e mais fortes.
Mas diferentemente dos bíceps, ter uma bexiga mais forte não é bom. Ela fica com uma capacidade menor, e o mecanismo sensorial fica prejudicado. Quando uma criança tem o hábito de segurar o xixi, ao longo dos meses e anos, a parede da bexiga fica cada vez mais musculosa. Chega um ponto em que a bexiga fica tão forte e irritável, que se esvazia sem qualquer comando da criança.
E o segurar crônico do cocô, um problema exacerbado ainda mais pelo baixo teor de fibras da dieta de crianças ocidentais, aumenta ainda mais o problema. Uma massa de fezes forma-se no reto, logo atrás da bexiga, podendo aumentar o diâmetro do reto, de cerca de 2 cm de diâmetro até 10 cm ou mais.
O espaço na pelve é limitado e, por isso, a bexiga fica apertada, torta, e não consegue comportar a quantidade normal de urina. Além disso, os nervos que controlam a bexiga, que correm entre a bexiga e o intestino, podem ficar irritados quando o intestino está aumentado, causando contrações inesperadas e indesejáveis na bexiga – em outras palavras, corridas desesperadas até o banheiro e acidentes de percurso.
E você pode estar pensando: Meu filho não é constipado – ele faz cocô todos os dias. Bem, muitas crianças constipadas fazem cocô com frequência, e até várias vezes ao dia. Grandes massas de fezes podem passar despercebidas em crianças, porque as fezes mais moles passam facilmente por elas, dando a impressão de que tudo foi eliminado.
Foi isso que aconteceu com Zoe Rosso, uma menina de 3,5 anos que foi suspensa de uma pré-escola na Virginia devido a um “número inaceitável” de acidentes relativos ao desfralde. Ela agora é minha paciente.
Zoe tinha uma massa de fezes do tamanho de uma bola de tênis presa no reto, que passou despercebida pelo pediatra e pelo urologista pediátrico que a atendiam na época. Como Zoe fazia cocô normalmente, eles não fizeram nenhuma radiografia.
Talvez vocês já tenham lido alguns estudos mostrando que o desfralde mais tardio é que causa mais acidentes. Talvez vocês até queiram incluir esses estudos nos comentários aqui. Não é preciso! Eu já li todos eles. Em vez disso, entrem em contato com os autores e perguntem se eles fizeram radiografias para ter certeza se essas crianças desfraldadas mais tarde não eram também constipadas (uma causa comum de acidentes e também do próprio desfralde mais tardio). Não quero estragar a surpresa, mas eles dirão que não, não fizeram radiografias.
E aqui está algo que os pais da Izabella Oniciuc deveriam saber: Segurar sempre o xixi e o cocô também causa infecções do trato urinário. Quanto menos vezes a criança faz xixi, mais fácil fica para as bactérias causadoras de infecção conseguirem chegar até a bexiga. E se a mesma criança também estiver retendo uma grande massa de fezes, terá muitíssimo mais bactérias do que se o intestino estivesse vazio. Como a entrada da bexiga fica apenas a alguns centímetros do reto, as bactérias nocivas só precisam percorrer uma pequena distância, pela pele do períneo, para dentro da vagina e através da entrada da uretra.
Vocês têm ideia de quantas vezes eu atendo crianças que ainda usam fraldas e têm infecções urinárias recorrentes? Nunca. Isso mesmo, nunca. E sabem quantas vezes atendo crianças recém-desfraldadas com infecções urinárias recorrentes? Diariamente. Essas crianças representam um quarto dos meus pacientes. Isso não é coincidência, e demonstra claramente que o desfralde precoce pode ser nocivo. Crianças que usam fraldas não seguram o xixi; muitas crianças desfraldadas fazem isso.
Mas na China não se usam fraldas
E aquele argumento de que na China, África ou Índia as crianças não usam fraldas, assim como nenhuma nunca usou na maior parte da história da humanidade? Bem, no mundo em desenvolvimento, as crianças não comem cereais açucarados no café da manhã, não comem Doritos no lanche, nuggets de frango e leite com chocolate no almoço, e macarrão instantâneo no jantar. As dietas baixas em fibra deixam as fezes duras e difíceis de eliminar. E para evitar o sofrimento, muitas crianças ficam segurando o cocô.
Além disso, em uma grande parte do mundo em desenvolvimento, ter banheiros não é a regra; em muitos lugares, as pessoas ficam de cócoras, uma posição que, de acordo com os estudos, facilita muito a evacuação. E quando você não precisa ir atrás de um banheiro (atrás da moita já está perfeito), há menos motivos para segurar o xixi e o cocô. É tudo uma questão de acesso.
Além disso, na maioria dos países em desenvolvimento, as crianças de 2 anos geralmente não vão para a creche ou pré-escola. Talvez Izabella Oniciuc fique em casa com a mãe, mas as crianças que desfraldam cedo e vão à pré-escola têm risco de desenvolver problemas relacionados ao desfralde, principalmente se essas escolas, como a de Zoe Rosso, exigem que as crianças estejam desfraldadas ao completarem 3 anos de idade e não permitem o uso de fraldas-calça, por precaução.
Pensem comigo: Você está colocando um ser pequenino em um ambiente estranho onde, talvez pela primeira vez na vida, ele não tenha por perto nenhum membro da família durante metade do dia, e espera que ele interrompa o professor durante a historinha para dizer que precisa ir ao banheiro, ou saia daquela cabaninha que acabou de construir com os amiguinhos para ir fazer xixi. Quem acha que isso é uma boa ideia com certeza nunca esteve em uma clínica de urologia pediátrica.
E para piorar, muitas crianças que desfraldam cedo não estão prontas para lidar com os banheiros inadequados e as regras restritivas relativas a idas ao banheiro que podem ter de enfrentar a partir do ensino primário. Tenho vários pacientes que aprenderam a segurar o xixi e cocô das 7h30 às 16h30 – e acabaram tendo problemas sérios na bexiga e infecções urinárias recorrentes por causa disso. Os banheiros das escolas e as regras que limitam as idas ao banheiro contribuem consideravelmente com essa epidemia de problemas relacionados. (Leia sobre nosso projeto CLEAN.us para ter uma ideia da dimensão desse problema).
Ou seja, é tolice argumentar com base em outras culturas ou outros períodos históricos. Primeiro, porque a forma mais primitiva de se aliviar é fazê-lo em qualquer lugar e a qualquer momento, quando a natureza chama (pense em um animal selvagem), algo que é proporcionado pelo uso das fraldas. Não há nada de natural no ato de usar o banheiro. Em segundo lugar, eu trato pacientes que vivem no aqui, e no agora. E não, não estou incluindo neste grupo as crianças que comem alimentos não processados, estudam em casa e estão sempre perto dos pais. Se a Izabella Onicius for uma dessas crianças, talvez fique tudo bem com ela. Mas ainda assim, é uma grande responsabilidade para os pais, principalmente se considerarmos que o problema da constipação pode facilmente passar despercebido.
Certifique-se de que o cocô tenha consistência de purê
Eu não acredito em desfraldar uma criança porque a escola exige ou porque mamãe e papai estão cansados de trocar fraldas, ou porque parece ser algo legal a se fazer. Eu acredito em desfraldar quando a criança está pronta – quando ela mostra interesse, e consegue identificar quando está fazendo xixi ou cocô – e eu acredito que poucas crianças estão verdadeiramente prontas antes de completarem 3 anos de idade.
Logicamente, algumas crianças estarão prontas antes disso, da mesma forma que muitas alcançam outros marcos mais cedo, como andar, falar ou andar de bicicleta. Se você tem certeza que é o caso de seu filho ou filha, ou se você não abre mão de mandá-lo(a) para uma escola que exige que as crianças estejam desfraldadas aos 3 anos de idade, veja abaixo alguns conselhos para minimizar a possibilidade de problemas:
Certifique-se de que as fezes da criança estejam pastosas antes de iniciar o desfralde.
Pastosas quer dizer com a consistência de um purê de batatas ou pasta árabe. A melhor forma de sabotar o processo é tentar desfraldar uma criança constipada. Se as fezes da criança têm forma, como cilindros ou bolinhas, ou passam a ter forma durante o processo do desfralde, isso quer dizer que a criança está constipada, e é preciso garantir que o cocô se pareça com pudim de chocolate e assim permaneça por alguns meses, antes de prosseguir com o desfralde. Cocôs grandes demais também devem ser um sinal de atenção.
- Observe a criança de perto, como se fosse um detetive, assim que ela sair das fraldas. (Isso se aplica a todas as crianças recém-desfraldadas, independentemente da idade do desfralde). Crie uma rotina de xixi para que a criança nunca fique mais do que cerca de duas horas sem usar o banheiro. Coloque-a no vaso para fazer cocô após o café da manhã e o jantar. Nunca pergunte “você quer ir ao banheiro?” Todas as crianças dizem que não. O seu papel é dizer para a criança ir ao banheiro. Lembre-se sempre de quando foi o último cocô e da aparência das fezes na ocasião.
- Preste atenção aos sinais de possíveis problemas de desenvolvimento. Aquela dancinha que eles fazem quando estão apertados não é bonitinha nem engraçada, e significa que a criança está segurando o xixi ou cocô. Assim como correr desesperadamente para o banheiro. Você precisa cortar esse comportamento pela raiz, e a exigência da escola ou do professor é o menos importante aqui.
Os pais de crianças que desfraldam mais tarde muitas vezes são ridicularizados. Por isso, eu gostei muito de ler o comentário abaixo, que uma mãe deixou no artigo sobre a família Oniciuc:
“Meu filho usou fraldas até 3,5 anos e depois simplesmente não quis mais. Minha filha tem 3 anos e está dando trabalho, mas eu sinto que vai ser do mesmo jeito. Com certeza, eles não vão continuar usando fraldas até a idade escolar, então não tenho porque ter pressa. Há coisa mais importantes para me preocupar”.