Meu avô tinha nome de ópera

Meu avô tinha nome de ópera
Este é um depoimento muito forte e delicado de Ivan Masetti, avô de dois meninos, após 40 dias de isolamento. No texto ele faz referência a oficinas. São as oficinas do movimento, promovidas no Ateliê Artes, Educação e Movimento, coordenado pela querida Suzana Soares. Obrigada, queridos Ivan e Suzana, por partilharem dessa experiência.

Eu tive um avô que foi e é a minha maior referência e uma imagem sempre muito presente, apesar de ter falecido há décadas. O nome dele era Ariodante. Muito tempo depois fiquei sabendo que havia uma ópera chamada Ariodante, ao ler um livro sobre música escrito por um amigo. Mais recentemente, descobri que há duas óperas com esse nome, uma de Georg Friedrich Haendel, do início do século XVIII, e outra do francês Etiéne Henry Mehul, do final do mesmo século.

Deduzi que o pai de meu avô, meu bisavô, que se chamava Massimino Masetti, além de aventureiro, gostava de música, pelos nomes dados aos outros filhos. Aventureiro porque, na segunda metade do século XIX deixou com a mulher, filhos e irmãos, uma localidade da região de Parma, centro norte da Itália, rumo ao Brasil, para fugir da pobreza e da fome. A maior parte dos Masetti (Massimino veio com vários parentes) desembarcou no Porto do Rio de Janeiro e outra seguiu para a Argentina. Aí começa uma nova aventura. Massimino e família seguiram até a cidade de São Paulo e de lá acabaram chegando em um pequeno povoado no interior do Estado, hoje cidade de Cajuru.

Foi lá que nasceu o meu avô que, por causa do nome estranho, ganhou o apelido de Tinim. Ele teve 10 filhos, além de criar outras quatro pessoas, e teve exatos 20 netos. Eu era um dos mais novos. Sempre tive uma forte ligação com ele. Era um misto de respeito e admiração. Nas inúmeras vezes que caminhava com ele em seu sítio, fui aprendendo o nome de árvores, frutas, peixes. As aves eu conseguia reconhecê-las pelo pio ou pelo canto. Uma das atividades que mais me encantavam eram as pescarias nas represas da propriedade. Aprendi que era importante falar bem baixo e segurar firme a vara de pescar para não espantar os peixes.

Tinha também a parte afetiva. É muito presente a cena em que ele, sentado em um banco no sítio e rodeado de netos, descascava delicadamente laranjas e tirava com o canivete um cone na parte superior da fruta que só ele sabia fazer. Para sair o suco, era só apertá-la.

Em síntese, herdei parte de sua curiosidade. Comento estas lembranças, quando faz mais de 40 dias que não me encontro com meus dois netos por conta do isolamento provocado pela COVID 19. Martim, o mais novo, acaba de completar quatro meses. Ele já está se comunicando com os pais, consegue pegar objetos próximos e ensaia movimentos para se virar de lado.

Biel tem dois anos e meio. Nestes quarenta dias teve um desenvolvimento muito grande: está mais independente, fica um bom tempo brincando sozinho, canta e já maneja alguns instrumentos. O seu interesse em “jardinar” aumentou.

Toda esta evolução eu acompanho por vídeos e lives. Biel e eu tínhamos uma forte relação. Por conta da proximidade, eu acompanhei todas as principais conquistas, ao seu lado.

Desde os primeiros meses ele vinha quase diariamente para a casa dos avós maternos. Foi na nossa casa que passou a se alimentar com sólidos. A minha tarefa era elaborar o cardápio e muitas vezes prepará-lo. Ele foi crescendo e valorizando a comida – é muito comum vê-lo salivar quando vê os alimentos preferidos.

Também foi onde passou a andar e descobrir os locais mágicos. Logo, o jardim se tornou a “floresta do vovô, a sala virou a “brinquedoteca do Biel”, e o ateliê da vovó – onde participou das oficinas para bebês – o espaço só seu.

Neste período de distanciamento, a conversa virtual não tem funcionado. Biel chega a pedir aos pais para falar com a avó ou o avô por vídeo chamada, mas quase sempre não consegue se expressar: olha para a tela, sério, a voz não sai e começa a mostrar impaciência. Os pais repetem a ele que “a doença que está lá fora vai acabar”. Difícil ele entender.

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