As mãos da criança

Expressão do “eu” em seu modo próprio de se colocar no mundo, a mão é a condutora dos gestos em primeira pessoa. Através das mãos humanas construímos o mundo humano, desde os processos de fabricação das coisas aos atos relacionais. Como quando alguém pede a mão do outro em casamento ou dá as mãos com o outro selando um compromisso… Nos juramentos, estão lá as mãos fazendo parte significativa do ritual ou, pelo contrário, numa expressão de descompromisso, “lavamos nossas mãos”. Diz Maria Montessori: “A mão é o órgão delicado e de estrutura complexa que permite à inteligência não só manifestar-se mas também entrar em relação especial com o ambiente.

Pode-se afirmar que o homem ‘se apropria do ambiente com a sua mão’, e ao transformá-lo orientado pela inteligência cumpre a sua missão no grande quadro do universo.” E isso já começa na infância, porque desde o primeiro dia de vida as mãos já estão lá, agindo no mundo! Não é incrível pensar que seres tão pequenos como os bebês já podem ter vontade própria? E mais que isso, que expressam isso com seu corpinho? A criança precisa mexer nas coisas por si mesma para se apropriar delas na sua estrutura mental.

Para realizar seu trabalho de aprender e se situar no mundo, precisa se movimentar, ver, ouvir e tocar os objetos, experimentá-los guiada pela sua própria curiosidade espontânea. Brincar, enfim. Me lembro de uma conhecida contando de seu espanto ao ver que sua filha de poucos meses, ao mamar no peito da mãe e receber um carinho na testa, retirava delicadamente a mão da mãe de sua testa, como que dizendo: “Mamãe, não quero que você coloque a sua mão aqui agora…”, repetidas vezes. Ao contrário do que possa parecer, o movimento das mãos da criança não tem caráter desordenado e impensado. Não! A criança vai em busca do que viu a sua volta, não numa simples imitação, como um símio poderia fazer, mas na elaboração do conhecimento que adquiriu na observação e está concretizando na sua vivência prática através do fazer das suas próprias mãozinhas. Quantas e quantas não são as cenas emocionantes que podemos contemplar se nos permitimos observar as crianças brincando…

Ao invés de gritar, dizer “Quieto, não mexa aí!” ou dar tapas nas mãos dos nossos filhos quando estão curiosos “demais”, como podem crescer com confiança nos próprios gestos e nos próprios interesses se pudermos falar com eles de forma respeitosa, considerando sobretudo a sua necessidade individual de tocar e mexer nas coisas por si mesmos. Não será a liberdade do gesto mais singelo da criança o grande alicerce da construção da autonomia e da auto-estima do futuro adulto? 

Citações de “A Criança”, Maria Montessori, Internacional Portugália Editora, 3a edição.

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