É interessante falar sobre esse tema que tem a ver com saúde mental e que é importante não só para atravessar bem esse período de quarentena mas para a vida como um todo. A maioria das pessoas vive o seu cotidiano num grau de estresse muito elevado. Então, falar sobre a regulação do nosso sistema nervosos é fundamental não só nesse período em que a gente está passando por tudo isso.
Escolhi abordar esse tema do estresse apresentando um conceito chave para entender como o nosso sistema nervoso funciona: janela de tolerância.
Primeira coisa que precisamos pensar antes de falar sobre como gerenciar o estresse é considerar que cada pessoa vivencia e manifesta o estresse de maneira muito peculiar. Neste período de quarentena, por exemplo, muitas pessoas estão extremamente preocupadas com a própria saúde, com o medo de serem infectadas ou de familiares, pessoas queridas serem infectadas ou de muitas pessoas adoecerem e terem complicações. Muita gente preocupada com os pais, que são mais velhos e mais vulneráveis nesse contexto, se estão saindo de casa, se estão isolados.
Tem aqueles que estão aflitos com a situação de não poderem sair de casa, de terem essa liberdade cotidiana cerceada e estão com nível de estresse elevado por conta disso.
Outros estão com muita pressão por conta do trabalho em homeoffice, essa transferência que ocorreu em muitos setores das funções que a pessoa fazia no local de trabalho para casa e que nem sempre dá certo pq em casa não tem as mesmas condições, enfim, tenho ouvidos muitas queixas nesse sentido também.
Não podemos deixar de falar dos pais que estão com crianças pequenas em casa, demandando atenção 24 horas por dia 7 dias por semana, sem a rede de apoio (escola, avós, funcionarias que ajudam em casa…)
O estresse também pode estar relacionado ao sentimento de solidão e da carência de contato físico, devido à distância e a falta de previsão do próximo encontro presencial com as pessoas.
Tem a preocupação econômica também, as divergência políticas presentes no momento… enfim…
Tudo isso representa uma grande sobrecarga mental e física e por isso é importante saber lidar para não entrar em colapso.
Bom, e com o funciona o nosso sistema nervoso?
Aqui talvez algumas pessoas se lembrem das aulas de biologia do colégio, para outras vai ser uma novidade, então eu vou simplificar ao máximo. De acordo com a teoria polivagal, o nosso sistema nervoso se organiza em 3 subsistemas que se colocam em marcha numa ordem, numa sequência:
1o. – sistema de interconexão social (regulado pelo nervo vago ventral) – é o que está ativo quando estamos num ambiente seguro sem um nível de estresse muito elevado. participação social.
2o. – sistema simpático, que é o nosso sistema de defesa, luta ou fuga, que se ativa quando há uma ameaça e portanto o 1o. falha.
3o. – sistema de congelamento, que se ativa quando não temos saída, quando os outros dois já falharam (é o fingir-se de morto).
Nesse 3o. sistema, os comportamentos podem nos ser úteis. Então, o 1o nós compartilhamos com todos os mamíferos. O 2o. é o sistema reptiliano. E o 3o. é uma herança dos vertebrados. É um comportamento que pode nos ser útil em algumas situações, como por exemplo para amamentar e em outras situações em que precisamos estar parados e que acabou ficando na nossa genética.
O grande protagonista desses fluxo de informação é o nervo vago, que é uma inervação que sai do cérebro e inerva o trato gastrointestinal, o trato respiratório, o coração e as vísceras abdominais. Esse nervo ele tem duas partes – uma parte está mielinizada e passa a informação rapidamente (é a parte que atende o sistema de interconexão social, vago ventral). A outra parte não está mielinizada (é a parte em que o nosso organismo não tem muita reação, é a resposta mais lenta, vago dorsal).
Qual deles você tem utilizado com mais frequência?
Para trazer um exemplo que ajuda bastante a clarear… Sabe aquela criança que coloca as mãos nas orelhas e fala assim “lalalalala, não estou ouvindo nada, não quero ouvir…” ou então aquele adulto que está toda hora fingindo que não é com ele, se fingindo de morto, fugindo das responsabilidades… então, a criança tem uma tolerância restrita inicialmente, porque ela não nasce sabendo lidar com as frustrações. Ela precisa ser acompanhada neste processo. Se ela vive num ambiente com muitos ruídos fortes, gritos principalmente, pais que brigam e se agridem, é comum que as crianças reajam assim… como uma tentativa de se defender da perturbação do ambiente. E aí ela tem dificuldade em aprender a se acalmar sozinha. Agora o adulto que tem dificuldade de lidar com as frustrações, com as situações conflituosas de uma maneira amena, provavelmente foi uma criança que não teve muita ajuda para se regular nisso. Pode ser o marido, o chefe, a mãe, o pai, você mesmo…
Às vezes o casamento é assim, um ambiente com pouca tolerância às frustrações, às vezes o ambiente de trabalho, a relação com os colegas ou chefe, às vezes a relação com familiares… É importante identificar porque provavelmente isso estressa o sistema nervoso, que está sendo constantemente socilitado a se hiperativar para se defender de agressões, ou está agredindo de volta no modo luta, e pouco está conseguindo utilizar suas competências superiores de interconexão social.
Bom e como é que sai disso? Você deve estar querendo saber, né…
Aqui entra o conceito de janela de tolerância, que é fundamental para entender como sair disso:
A janela de tolerância é aquela em que manejamos as circunstâncias quando estamos nos movendo no sistema de interconexão social (está se ativando o vago ventral). Isso implica que se acontece qualquer coisa mais conflituosa, eu lido procurando me manter conectada com o que está ocorrendo e com as pessoas que estão implicadas com a situação.
Quando isso produz um nível de ativação muito elevado, me tira da minha janela, fico em estado de hiperativação, no qual me movo em modo de luta, fuga ou defesa. Se esse estado dura muito tempo, se ativa o nervo vago dorsal e entro em estado de hipoativação ou embotamento. Fingir de morto.
Quando nos sentimos em risco, nos comportamentos como os jacarés, preparados para atacar, fugir ou lutar a qualquer momento. Se nos sentimos assim com frequência, tendemos a congelar os afetos, buscar de alguma forma anestesiar os sentimentos para não sentir tanta dor sem saber lidar.
Bom, então, para voltar à pergunta inicial, como podemos gerenciar o estresse….? Depois de todas essas explicações prévias, meu objetivo era chegar neste ponto. Nós regulamos o estresse através da nossa janela de tolerância. Como assim???
Claro, enquanto eu consigo permanecer dentro da minha janela de tolerância, não entrar no modo jacaré, eu permaneço na zona do diálogo, da reflexão, da calma, da tranquilidade e não saio do meu eixo. Quando eu passo do meu limiar de tolerância, eu entro numa espiral de descontrole que me leva a gritar, acusar, cobrar, me movimentar com mais hostilidade… e claro que isso me desgasta também, além de ser custoso para o outro. Então, para gerenciar o estresse eu preciso me manter na minha janela, dentro do meu limiar.
E como fazer isso? Como eu faço, se eu tenho pessoas que me estressam o tempo todo?? Pessoas, né… Pessoas são sempre um problema na vida de outras pessoas… rsrsrs Bom, se você está sempre sentindo que o outro te tira do seu eixo, te joga lá em cima além do seu limiar de tolerância, então talvez você possa tentar aumentar o seu limiar. A moldura da sua janela de tolerância é a sua zona de crescimento pessoal, ou seja, se você ampliar a sua janela, você está se tornando mais tolerante às frustrações que são próprias da vida e está se trabalhando no sentido de um desenvolvimento mais pleno das potencialidades humanas superiores, da sua capacidade de escuta, de compreensão, de reflexão, de acolhimento e de amadurecimento.
E é bom dizer que tolerância não tem nada a ver com submissão. Não confunda. Quando a gente tem os recursos da comunicação plena para dizer o que precisamos ao outro, a gente pode dizer ou comunicar qualquer coisa, inclusive as mais difíceis. Só que para isso a gente não precisa gritar nem perder a estribeira. E aí vale o ditado: quando um não quer, dois não brigam. Sou super fã!
Aqui vão algumas dicas para aumentar a janela de tolerância “da geral” em casa (muitas dessas dicas são as chamadas condutas de apego):
- modular o tom de voz e a entonação – com isso ativamos comportamentos de escuta e tranquilidade
- respiração diafragmática
- garantir momentos de alimentação juntos com alimentos de texturas variadas, e investir na escolha dos alimentos, de uma rotina de horários que seja confortável – a mastigação e a saciedade ajudam na regulação do estresse (nervo vago)
- ouvir música – a música gera relaxamento e envolvimento
- fazer atividades manuais ou corporais que você goste, como artesanatos, jardinagem, culinária, brincadeiras com as mãos ou com o corpo – os trabalhos manuais e o movimento corporal ajudam a descarregar tensões
- utilizar óleos essenciais para fazer massagem no corpo, no seu, no outro – o toque e os aromas naturais trazem conforto, segurança e bem-estar
- abraçar e sorrir- abraçar quem está isolado junto pode, pedir abraço, sorrir também, não passa virus nenhum pelo sorriso
- perceber os momentos significativos, mais intensos, do seu dia mesmo que você tenha ficado em casa o tempo inteiro – algo mais gostoso ou mais dificil sempre ocorre e é importante que você identifique, converse com alguém a respeito, com vc mesma se for o caso, faça um desenho se quiser
Muitas dessas dicas são relacionadas às chamadas condutas de apego. São condutas que favorecem o sistema de interconexão social… Mas isso é tema para um outro artigo!