Entrevista Ibone Olza

Khalao - Blog
Entrevista da psiquiatra infantil Ibone Olza sobre seu livro Palavra de madre a revista Mamagazine e à Plataforma Petra.

Nós mães necessitamos uma sociedade que nos reconheça, que honre nossa impagável função social, sonhamos com essa sociedade.

A maternidade é um fazer cotidiano. É algo assim tão comum e básico como o simples fato de que todos nascemos de uma mulher. Por que vc acredita que ainda é tão difícil entender que não só os recém-nascidos mas também suas mães necessitam cuidados?

A negação da mãe. Um bebê saudável precisa de uma mãe saudável e separar o bebê de sua mãe é um artefato. E aí está o patriarcado: em invisibilizar as mães. Essa negação se traduz em muito sofrimento, em muita solidão, em que cada uma de nós carregue uma culpa que pensamos ser nossa, particular, sendo que não é isso. Negar a uma mãe é a origem do patriarcado.

A culpa que nós mães sentimos não é justa. Ver essa culpa em outras me ajuda a dizê-lo a mim mesma.

Existe alguma possibilidade de que nós mães nos liberemos da culpa? Nós mulheres estamos fazendo um trabalho de desconstrução particular, e construindo novamente. Nós que vamos à terapia, nós que estamos revendo tudo todo o tempo. E mesmo assim seguimos carregando a culpa.

Estamos nos libertando da culpa pouco a pouco. O que acontece com a culpa é que para nós é muito fácil ver o quanto é injusta quando a vemos nas outras. Eu vejo tudo o que as outras mulheres fazem e vejo que enorme e bem feito o fazem. Mas, ainda que nelas eu veja muito claramente, em mim mesma me custa muito acreditar. Minha ideia com este livro, com essa análise coletiva, era um pouco essa: dizer que o que vemos nas outras nos ajuda a ir nos libertando da culpa. Mas, efetivamente, acho que nós estamos fazendo todo o trabalho e, às vezes, é esgotante. É outra carga da qual temos que nos liberar e isso é o que cabe a nós.

Se algo falha em um ser humano, sempre vão se perguntar em que teria falhado a mãe. As condutas mais abjetas, as enfermidades mais terríveis, as calamidades, tudo poderia ser culpa nossa, das mães.

Como mudou sua forma de trabalhar depois de ser mãe pela primeira vez?

Começou a me incomodar muito como os psiquiatras se referiam às mães. Parecia que todas as mães eram umas histéricas. Constantemente nas conversas colocava-se a culpa nas mães de um monte de enfermidades mentais de seus filhos. Por exemplo, o paciente viciado em drogas muito complicado. Parecia que a culpa era da mãe, quando ela era, muitas vezes, a única que estava lá na bucha do canhão. Comecei a ser muito consciente de como se falava mal das mães e, no entanto, quando um pai aparecia na psiquiatria infantil – quase não davam as caras – , era um herói. Essa falta de reconhecimento, essa espécie de desprezo e de falta de escuta com as mães me incomodou enormemente.

Lembro da primeira vez que dei, em um plantão de psiquiatria, um abraço num paciente, às escondidas. Permitir-se a ternura, dar-se conta de que o consolo e a empatia são ferramentas terapêuticas foi um processo progressivo para mim. Se aos meus filhos me fazia bem que eu os consolasse, que às vezes era a única coisa que eu podia fazer, com meus pacientes também. Mas na medicina nos falam da distância terapêutica e eu me dei conta de que ao contrário.: às vezes, eu necessitava de terapia pela distância que me haviam obrigado a colocar com meus pacientes. Os valores da maternidade, a presença, a disponibilidade e o consolo são julgados, quando deveríamos levá-los a todos os âmbitos da nossa sociedade. O mundo necessita maternagem. Aí começou em mim uma transformação progressiva. Quando estava vivenciando, não pude ser tão consciente. Precisei de anos para colocar tudo isso em palavras.

Comecei a ser consciente (…) de como os sistemas de saúde têm ignorado as mães e negado suas experiências e conhecimentos, e de como a ausência desse conhecimento maternal deu lugar a uma ciência enviesada e em muitos casos danosa.

Outra coisa da qual você fala no livro é o quanto seria necessária uma “ciências das mães”. Você acredita que seja possível? Falta uma ciência da saúde da mulher, o corpo da mulher é um grande desconhecido.

Temos que dar uma volta e começar por aqui: o primeiro que teríamos que estudar em medicina seria a reprodução humana, a concepção, a gestação, o parto, a criação… Essas são as bases da saúde. Nos últimos anos ministrei psicologia médica na Universidade de Alcalá, em primeiro lugar me parecia muito importante em medicina falar a partir de onde concebemos a saúde. Acredito que, pouco a pouco, vamos dando a volta em tudo isso, temos muito trabalho para várias gerações.

“O monstro em pele de cordeiro nos diziam a nós mães e pais sobre como teríamos que domesticar nossos bebês e criar nossos filhos deixando-os chorar, castigando-os. Mas os mesmos mecanismos se aplicavam a quase tudo. O patriarcado rompe os vínculos e em seu lugar constrói hierarquias entre seres humanos.”

Estamos tão direcionadas na maternidade e na criação, enganadas pensando que tomamos decisões livres, mas tremendamente vinculadas aos relatos que circulam todo o tempo. Falo do leite de fórmula, de deixar as crianças chorarem para que durmam… É possível explicar a diferença entre ter um filho e respeitá-lo ou domesticá-lo? Como o patriarcado rompe os vínculos humanos? Como nos liberamos do caminho mais fácil de tentar domesticar as pessoas?

Acredito que se confundem muitas coisas neste ponto. As pessoas pensam que a criação com mais apego ou respeito significa que as crianças vão fazer o que der na telha e isso não tem o menor sentido: isso é outra forma de abandono. Criar com respeito não significa não colocar limites. Os limites temos que apresentá-los, não colocá-los. Eles estão aí. Se seu filho ou filha faz algo que machuca outra pessoa ou a ele mesmo, aí está o limite. Mas não que você tenha que colocá-lo: você tem que apresentá-lo. Também devemos levar em conta as idades: cada idade tem seu ritmo e acho que isso em geral não é bem compreendido. O ritmo é lento: não é preciso nada além de observar a espécie humana. Respeitar esses ritmos e entender que o ser humano é muito dependente nos dois primeiros anos de sua vida. Quando começa a andar e falar pode ser um pouquinho mais independente. Mas, para termos adultos independentes, precisamos cobrir as necessidades de dependência quando são pequenos. No entanto, durante muito tempo se pensou que teríamos que acostumá-los a serem independentes desde muito pequenos. Isso provoca carências que vão se arrastando, dependências ao longo de toda vida. Para explicar tudo isso, precisamos de espaços, tempo, conversas… Temos que escutar e pensar coletivamente. Acredito que esses espaços nos quais podemos falar e debater com tranquilidade se perderam com o ritmo tão acelerado de vida que levamos.

Gostaria de propor um significado extra à comadre: mãe amiga com a qual se compartilha vivências e reflexões sobre a maternidade. Algo assim. Ou, talvez, “mães que se reconhecem desde a solidariedade da tarefa conjunta de maternar”. Outra palavra que não está no dicionário: “maternar”.

Há um capítulo no começo do livro que se chama Comadres. Muitas mulheres sentimos que temos uma família extendida e escolhida, na qual o papel dessas mães-amigas é realmente importante. Essas comadres, muitas vezes, nos acompanham mais que nossas famílias nucleares. Esse “comadrio” é uma das mais gratas surpresas da maternidade.

Muitas criamos os filhos longe de nossas casas e familiares e com muitas acontece isso. Eu sou de Pamplona e fui mãe durante minha estada em Zaragoza. Ali descobri uma rede de apoio em uma associação, a Via Láctea. Essas mulheres da associação literalmente me salvaram a vida. Foram meu apoio, me cuidaram, sabiam como eu estava e estavam muito dispostas. Minha família estava disponível também, mas estavam em Pamplona.

O “comadrio” não é novo: essas redes estiveram visíveis durante muito tempo e, de repente, as perdemos de vista. Penso nas mulheres na mesma cidade, nas vizinhas. Por que ocultar as comadres?

Recordo que, quando me aconteciam coisas, percebia tantas histórias de tanta generosidade e tão bonitas que pensei que eram preciosas demais para ficarem escondidas. E acho que também, por isso, acabei escrevendo esse livro. Há uma tarefa enorme nos grupos de apoio de todo tipo: de luto, de amamentação, de criação… essas redes estão aí e acredito que sempre estiveram, mas dessas redes não se fala. Temos que dar-lhes muito valor e visibilizá-las.

“O peito vale para publicizar quase qualquer coisa, menos o leite da mãe.”

E… o que fazemos com o peito?

Estou contente com a canção de Rigoberta Bandini… foi uma espécie de hino. Temos uma erotização e uma comercialização do peito que me parece seguir sendo uma grande questão. A amamentação é muito mal vista, inclusive em alguns círculos feministas, porque há muitas mulheres que tiveram experiências muito traumáticas ou se sentiram pressionadas a amamentar. E ninguém quer isso. Mas isso não significa que não devemos dar visibilidade ao quão bonita, confortável e placentera pode ser a amamentação. A amamentação é um super poder que nós mulheres temos.

Qual sua opinião a respeito de como o movimento feminista apoia ou não apoia a maternidade?

Acho que ainda falta muito. O feminismo ainda… há muitos feminismos, não gosto de generalizar, mas acho que uma boa parte do feminismo vê a maternidade como uma renúncia e como uma carga, ao invés de algo precioso, entranhável e um bem social que temos que cuidar. Acho que há muito medo de que a maternidade seja imposta e nos prenda em casa. Já houve muitas que renunciaram à maternidade, que renunciaram à amamentação… o feminismo tem um tema pendente com a maternidade.

Eu, pessoalmente, me sinto ecofeminista e, mesmo assim, vejo que as pessoas que lideram o ecofeminismo no nosso país (Espanha) não falam de amamentação ou de parto respeitoso. É como se o ecofeminismo não tivesse nada a ver com a amamentação, quando para mim a amamentação, entre outras muitas coisas, é o mais ecológico que existe. Nesse ponto me sinto um pouco desamparada. Me reconheço muito nos posicionamentos da Plataforma Petra: que maternar é político e é urgente, como sociedade, pensar o que nós mães estamos fazendo.

Qual sua implicação atual no “El parto es nuestro”?

O fundamos com 21 pessoas em 2003, depois de 2 anos de discussões. Eu sigo participando. Acho, de coração, que não há uma organização que faça tanto com tão poucos recursos. Somos muito poucas e damos resposta a montanhas de petições diariamente a mulheres grávidas, a mães que precisam de ajuda… essa associação está fazendo um enorme trabalho social e sinto que é muito pouco reconhecida. Eu me sinto em casa e acho que isso também custa: custa celebrar tudo o que já conseguimos. Vemos tantas violências, tantas separações mãe-bebê, tanta dor… que esquecemos que tivemos um impacto positivo, que há coisas que já melhoraram muito. As ativistas se esquecem de celebrar as conquistas, algo que também é importante.

Original em espanhol: www.mamagazine.es/ibone-olza-el-feminismo-tiene-un-tema-pendiente-con-la-maternidad

Tradução: Juliana Breschigliari

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