Toda mãe, todo pai em algum momento se faz essa pergunta… Meu filho é normal? Será que ele tem algum problema?
Para mim esse questionamento veio relacionado ao desenvolvimento postural do Paco, que aos 10 meses não dava muitos sinais de querer engatinhar. Eu observava outros bebês da mesma idade desenvoltos nas suas incursões pelo espaço ao redor, das diferentes alturas e distâncias que suas perninhas ágeis lhes permitiam alcançar; Paco por outro lado me parecia contemplativo, observador. Mãe de primeira viagem, ao mesmo tempo acreditava e acredito na singularidade de cada criança e do seu processo de crescimento único; não compartilho das teorias que pregam a superestimulação dos bebês, para antecipar etapas. Porém, até aquele momento estava sofrendo por não saber ao certo se eu poderia fazer algo a respeito para ajudar meu filho. Nem mesmo se ele de fato precisava de alguma ajuda ou simplesmente de paciência.
Foi aí que tive a maravilhosa oportunidade de descobrir o trabalho de Emmi Pikler, pediatra húngara que estudou bebês institucionalizados e fez uma série de observações sobre seu desenvolvimento postural e afetivo em mútua conexão. Pouco conhecida ainda entre pediatras, educadores e pais aqui no Brasil, seu trabalho fornece uma série de orientações preciosas sobre o que fazer, como fazer e o que não fazer no cuidado com os pequenos, não só em instituição mas em casa também. Uma delas: não colocar o bebê em posturas nas quais ele não tenha chegado por conta própria. Por exemplo, não colocá-los sentados com a ajuda de almofadas. Ao contrário disso, colocá-los sempre de barriga para cima com alguns objetos interessantes ao lado, ao seu alcance, para que por conta própria se movimentem buscando com autonomia os rolamentos laterais, a posição de barriga para baixo e assim por diante, até chegarem a se sentar sozinhos. Muito me surpreendeu quando comecei a ter contato com essas recomendações pois eram diversas as situações com meu filho e com a maioria das crianças do nosso círculo que não tinham em conta esse importantíssimo aspecto e acabam na verdade criando a condição contrária. Formas de cercear a liberdade de ação do bebê, muitas vezes pela crença já muito instaurada de que o nosso papel como cuidadores é ensinar algo à criança ou simplesmente por desconhecimento desses estudos tão importantes de Pikler. E depois de começar a pesquisar o assunto (há material em português e espanhol bem acessível), comecei a achar muito claro que se o bebê tem autonomia para chegar a uma determinada postura, ele tem autonomia para sair. Isso deve ser muito importante para ele, que está ampliando aos poucos sua liberdade de movimentos e precisando de muita auto-confiança para se aventurar nesse processo.
Tudo o que restringe o movimento livre do bebê de alguma forma é desencorajado pela pediatra. Cadeirinhas de balanço, cercadinhos, andadores, pórticos com brinquedos pendurados, berço… Na sua proposta de desenvolvimento postural autônomo, encontramos sugestões como pequenas rampas de madeira ou almofadas firmes nas quais os bebês possam treinar a escalada, o apoiar-se, em ambientes que não ofereçam perigos frente à sua insaciável curiosidade… rsrs Cestos com brinquedos de formatos, texturas e cores variados, que possam ser explorados, mas que não sejam prontos demais, que dêem espaço à apropriação pessoal da criança. Pikler sugere também: Cuidado com roupas de escorreguem e dificultem os movimentos, principalmente meias. No frio podemos recorrer a aquecedores ou tecidos fininhos para forrar o chão se necessário.
Neste riquíssimo processo de descoberta, muita transformação ocorreu no cotidiano da casa e da família e rapidamente Paco respondeu com uma enorme vontade de explorar seu mundo, se revelando então um pouco maior. Fundamental nesse caminho de mudanças foi o Ateliê Artes e Movimento, que passamos a frequentar semanalmente. Nessa oficina, a proposta é nada mais nada menos que observar: os cuidadores presentes observam os bebês, seus movimentos, suas aquisições, as vontades que se insinuam sem ainda se concretizar em ações, pedindo de nós um pouco mais de espera e confiança.
Como não podia deixar de ser, no turbilhão de emoções da maternidade, olhar o desenvolvimento postural do meu filho me levou de volta à minha própria experiência ou às minhas narrativas biográficas com relação a esta questão. Me lembrei que sempre ouvi repetidas vezes o relato de que aos dois meses de idade rolei para o lado inesperadamente e quase caí de um trocador. “Nossa, que perigo!!” “Como os bebês aprontam!” Foram frases que ouvi muitas vezes…
Lembrar de mim como filha me acolheu na angústia de mãe. Aí terminaram de despencar as fichas que Pikler já tinha começado a derrubar. Obrigada por me ajudar nesse resgate, filho! Que bom cuidar de sermos mais livres!
Sobre Emmi Pikler, veja:
Livro “Abordagem Pikler: Educação Infantil”, Judit Falk (organizadora), Editora Omnisciência.
Ateliê Artes e Movimento: www.artesemovimento.com.br