É possível curar traumas no brincar? Muitos pais e mães preocupados com os filhos perguntam sobre como um processo de psicoterapia vai ajudar a criança a se liberar do sofrimento decorrente por exemplo de uma situação de alienação parental, de uma perda de um familiar querido ou de um processo de adoecimento da própria criança. Vou tentar esclarecer um pouco nesse texto como entendo o trabalho terapêutico com crianças e a centralidade do brincar neste processo de cuidado e restauração do desenvolvimento sócio-emocional da criança.
Os pais trazem uma criança à terapia quando notam uma situação de restrição ou sofrimento. O brincar é uma experiência compartilhada de cérebro direito à cérebro direito, entre terapeuta e criança, que permite à criança a segurança suficiente para tolerar a ambiguidade e o incômodo necessários para que possa expressar sua situação de sofrimento.
Neste processo entre terapeuta e criança, são os neurônios-espelho (se vc não sabe o que são, veja o post) que cumprem a função de base neurobiológica da intersubjetividade. A criança está segura quando sente através dos neurônios espelho que o terapeuta está também afetado pelo material exposto e mesmo assim é capaz de sustentá-lo e tolerá-lo. No brincar a criança pode mostrar algo doloroso de si mesma e nós nos mostramos capazes de atravessar este momento junto dela. O adulto compartilha da experiência da criança, experimentando em si mesmo o movimento cognitivo, emocional e físico dela durante o processo do brincar.
As redes de neurônios-espelho da criança confirmam que sua brincadeira é respeitada pelo adulto como uma realidade, fazendo-a uma realidade para o próprio adulto. Através dessa postura receptiva, o adulto transmite à criança uma confirmação de que ela é válida e respeitada.
Nessa conexão do brincar, algumas perguntas são despertadas. Estou entendendo o que a criança está expressando? Consigo ser testemunha de sua experiência? Estou realmente aqui? E para a criança: Se vc não me vê e não compartilha minha experiência, estou realmente aqui? São perguntas existenciais muito profundas.
A mente de uma criança é formada por coleções de impressões entremeadas e só parcialmente integradas. Algumas constituem aspectos da realidade, mas a maioria desses elementos estão dominados por fantasias.
A criança normal começa a fantasiar com algum segmento da realidade, que desperta nela necessidades ou ansiedades tão fortes a ponto de ver-se arrastada por ele. As vivências se confundem em sua mente de tal maneira que fica muito difícil ordená-las. Então, surge o reino da imaginação como o lugar mágico onde nascem espontanea e criativamente os sentidos para os dramas que dão vida aos grandes personagens e sonhos da criança.
Na brincadeira, a fantasia e a realidade convergem e as ideias que surgem da criança têm sua origem tanto em sua vida imaginal quanto em sua realidade externa. Quando uma criança escolhe um objeto, surge a ideia que melhor atende suas necessidades internas. Assim, sempre há conteúdos profundamente pessoais e que refletem diretamente algum aspecto do desenvolvimento da criança.
Durante o atendimento de uma criança, estou constanmente me perguntando: Se sou testemunha do seu brincar, o que ela está querendo me comunicar? Que emoções estão representando esses personagens? O que está sentindo, elaborando internamente?
Na terapia, assim como na convivência familiar, é muito importante aprender a observar o brincar da criança. Muitas vezes não é necessário brincar junto, mas sim observar silenciosamente aceitando, sem interromper, sem ordenar, sem querer mudar a brincadeira, simplesmente para que a espontaneidade, imaginação e criatividade da criança possam se mostrar. E isso, pais e terapeuta podem desenvolver juntos desde as entrevistas iniciais, que constituem o início do processo de cuidado, e no decorrer do processo em encontros de orientação, para o melhor cuidado e desenvolvimento de potencialidades da criança.