Madalena não quer mais tomar banho na banheira*

Semanas atrás uma paciente que tem uma filha de cerca de 1 ano chega à sessão preocupada pois a filha, que até então adorava tomar banho na banheira, de repente parecia não querer mais aquilo. Algo mudou que tornou o momento relaxante com a mãe um fator de estresse, que só melhorava depois que Madalena estava em seu colo. 

Fomos conversando e aproximando o que poderia estar ocorrendo. Nina, mãe super cuidadosa, descartava as possibilidades que vinham à cabeça: já havia observado a temperatura da água, se não estava muito quente ou muito fria…   

Olhar e ouvir a criança. Fomos falando sobre esse desafio, tão delicado e tão importante para que a criança tenha uma experiência segura junto aos seus cuidadores. 

A criança tem a experiência da angústia de modo muito particular. A proximidade com o mundo é muito intensa, trazendo para perto dela o constante sentir-se ameaçada. A presença do outro como sustentação é absolutamente necessária. As crianças carecem do adulto para dar conta do próprio crescimento. Se não tiver um adulto para dar comida e cuidar da criança, ela morre de inanição e falta de cuidado. Sua dependência nesse sentido é total. 

Em que aspecto Madalena poderia estar se sentindo desprotegida?

Fomos conversando sobre a rotina dela e da filha – o contexto do banho – como duas detetives em busca de pistas. Na parte da manhã mãe e filha ficam juntas em casa, brincando entre o café da manhã e o almoço. O banho ocorre após o almoço e antes da ida para a escola. Na escola, tudo vai bem. A pequena já freqüenta o espaço há alguns meses e vai com prazer. Porém, Nina se deu conta, na última semana havia ocorrido uma mudança significativa. A professora da escola que mais cuida de Madalena estava de férias. Em seu lugar, outros educadores, que também já a conhecem, mas não tem com ela a mesma familiaridade, assumiram as trocas de fralda, as refeições, o ninar, a brincadeira. 

A percepção de Nina foi imediata. Claro que a filha estava sentindo tal mudança. “Após o banho ela já sabe que vai para a escolinha.” Nem foi necessário aguardar a semana seguinte, em que haveria a volta da professora, para a mãe, muito conectada à experiência da filha, saber que o banho voltaria a ter seu caráter prazeroso, porque o vínculo seguro com a professora seria reestabelecido. Adaptaram durante alguns dias a rotina para um banho de chuveiro, no colo com a mãe, o que de imediato aliviou a tensão. Na escola, por sua vez, os cuidadores que eram mais desconhecidos foram se tornando, ao longo desse período e aos poucos, mais familiares à pequena.

Este é um exemplo de compreensão e empatia entre pais e filhos e da importância que os vínculos interpessoais, com pessoas conhecidas, têm para as crianças. Numa situação como essa, diante das constantes solicitações do cotidiano, é fácil perder a paciência e deixar de buscar a compreensão da criança, do que ela pode estar mostrando, com os recursos de que dispõe para isso. Pior ainda, culpabilizá-la, atribuindo a ela algum problema por não estar correspondendo às expectativas. 

Mas vamos pensar uma coisa: O adulto se põe nas mãos do outro em algumas situações em que precisa ser cuidado, em que não possa ser autônomo nesse cuidado. E eu vejo o quanto é duro até para os adultos, mesmo precisando muito de ajuda, nos abrirmos à proximidade e à intimidade. É necessária sempre muita paciência… A por sua vez criança não tem escolha. O que chamamos de birra muitas vezes é sua forma possível de manifestar um pedido de ajuda. Ela depende de adultos para quase tudo, enquanto criança. Será que podemos lançar a elas um olhar de empatia? 

*A pedido da paciente, os primeiros nomes dela própria e da filha foram mantidos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.