Disposição para reações alérgicas

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Um desafio médico-pedagógico

A reação imunológica como processo de aprendizagem

As alergias ou disposições alérgicas estão aumentando mundialmente. Uma das reações sadias do corpo é munir-se de funções de resistência que defendam e protejam a identidade própria em todas as superfícies dos órgãos e, principalmente, nas superfícies de contato com o meio ambiente (pele, pulmões, intestino). Denominamos sistema imunológico o conjunto de todas essas funções de proteção.

Quando essa função de proteção se desequilibra, surge a reação alérgica em consequência de uma ‘reação exacerbada’ a determinadas substâncias.

Causas do rápido aumento de alergias nas últimas décadas:

  • Utilização e disseminação de muitas substâncias novas no meio ambiente, alimentação, vestuário.
  • Excesso de higiene – crianças urbanas não se habituam aos alérgenos vegetais e animais.
  • Aleitamento materno de curta duração (menos de 4 meses) ou até inexiste.
  • Vacinação polivalente precoce e as substâncias que entram em sua composição.
  • Alimentos de cultivo convencional e sua manipulação industrial.
  • Tratamento impróprio da febre.
  • Aumento do número de famílias com filho único.
  • Emprego de antibióticos.
  • Pressa e agitação.
  • Falta de vivência da identidade e do sentimento de ser ‘aceito’.
  • Mas também, de acordo com estudos mais recentes, o estilo de vida.

Fica evidente que o modo de vida e de educação aqui recomendados podem atuar contra as reações alérgicas. 

Como dar suporte ao processo de aprendizagem imunológica?

O conceito ‘alergia’ foi cunhado pelo pediatra Clemens von Pirquet no início do século XX. As defesas próprias do organismo reagem com hipersensibilidade ao contato com alérgenos (substâncias que provocam alergia, encontradas nos alimentos, nos medicamentos, no ar ou ao toque de certas plantas ou pelos de animais). Em vez de o organismo ‘aprender’ a elaborar determinadas substâncias, ocorre uma defesa exagerada.

Isso provoca erupções cutâneas, prurido, edema das mucosas, diarreia, entre outros sintomas. No sangue, todavia, ou em determinadas células de tecidos, formam-se ‘anticorpos’ (substâncias de defesa) específicos, e muitas vezes também inespecíficos, contra esses alérgenos. Como os anticorpos transportados pelo sangue podem atingir qualquer região do organismo, o simples toque com a mão num alimento que desencadeia a alergia pode provocar edemas nos lábios e manchas vermelhas na face.

O que se espera das doenças infecciosas e ocorre de maneira imperceptível na chamada imunização passiva, isto é, a formação de anticorpos como base da imunidade, aqui se transforma em problema. No entanto, sempre pode acontecer que no decorrer dos anos o organismo com tendências alérgicas acabe por aprender a lidar com as substâncias às quais desenvolveu intolerância. Isso pode ser motivado por mudanças climáticas, que requerem adaptação e acomodação do organismo, de modo que ele se torne mais flexível. Também as doenças próprias da infância acompanhadas de febre alta podem tornar o sistema imunológico mais vigoroso e funcionalmente mais competente. Em alguns casos, o assim chamado tratamento constitucional (alimentação saudável, curas pela mudança de clima, medicamentos da homeopatia e da medicina antroposófica escolhidos para cada caso individual) também pode alcançar essa meta no decorrer dos anos.

As doenças alérgicas mais frequentes da infância são o eczema crônico, a asma e a rinite alérgica ou febre do feno. É mais do que mera analogia o fato de habitualmente, na medicina,descrevermos os processos imunológicos por meio de palavras que correspondem aos diferentes passos do processo de aprendizagem: ‘perceber e reconhecer’ substâncias nocivas, confrontação com a substância estranha, distinguir entre o que é próprio e não próprio’, memória imunológica e similares.

Já se sabe de longa data que o potencial genético de um ser humano constitui um sistema aberto, capaz de aprender algo novo não apenas durante a vida inteira, mas estimulado por dois mundos: o mundo exterior e o mundo dos pensamentos e sentimentos, o ‘mundo interior’. Por esse motivo, uma integração bem conduzida entre educar e curar tem um efeito particularmente positivo no desenvolvimento do sistema imunológico.

Capacidade de aprendizagem como medida preventiva

Entre os resultados das pesquisas de Rudolf Steiner está a relação existente entre os processos imunológicos – as assim chamadas forças de autorregulação e de autocura do organismo – e a atividade mental IBie descreve a atuação de um organismo etérico do ser humano – de acordo com esse paradigma steineriano – não apenas como portador da autorregulação e da cura, mas também da vida relacionada com os pensamentos. Assim, a capacidade funcional do sistema imunológico não depende apenas da hereditariedade, mas também, num sentido mais amplo, do estilo de vida existente no lar e na escola, bem como da disposição para o trabalho e da capacidade de entusiasmo.

Entrementes, um bom tratamento das doenças alérgicas crônicas pela medicina convencional tampouco se fundamenta apenas na prescrição de medicamentos. Uma parte essencial do tratamento é a instrução e o acompanhamento individual, chegando até ao aconselhamento quanto a questões escolares (como uma criança com alergia ao feno pode participar de um estágio agrícola, entre outros).

Além disso, pode-se estimular o desenvolvimento da competência imunológica se, desde o início, a criança vivencia alegria ao aprender. E importante ter alegria em aprender e prontidão para descobrir aspectos sempre novos, mesmo em assuntos bem conhecidos, além de elaborar positivamente experiências negativas. Por que isso é tão importante? Porque atua no sentido de conferir identidade e fortalecer a autoconsciência da criança, além de ajudá-la a elaborar o que vem ao seu encontro. O que Aaron Antonovsky denomina

“senso de coerência”, como precondição para a manutenção da saúde ou aquisição de uma saúde estável, também é decisivo nesse contexto: a criança quer sentir que o mundo pode ser compreendido, tem sentido e é manejável. Então ela se torna animicamente imune’, adquire estabilidade e é menos vulnerável.

Nos próximos anos, a pesquisa do estilo de vida com base no conceito salutogênico ainda irá contribuir muito para a compreensão de enfermidades causadas pela civilização, como a disposição alérgica. Porém, uma auto-observação atenta já pode revelar-nos sob quais circunstâncias nós nos sentimos melhor, e o que faz com que a sensibilidade sadia se intensifique em hipersensibilidade e vulnerabilidade destrutiva. Atualmente já estamos na terceira geração que convive com os desafios trazidos por fatos como a desagregação de valores, medo de viver, dúvidas acerca do sentido da existência humana e horror diante da miséria em massa e do terrorismo. Todas essas preocupações e questões deprimem e enfraquecem a reação imunológica sadia. Se, no entanto, for possível “apesar disso dizer sim para a vida” (Viktor Frankl), ter a experiência de superação positiva, autoaceitação e engajamento cultural criativo, isso irá atuar a longo prazo contra a disposição alérgica com tanta eficácia quanto a da perda de positividade e a falta de sentido que a provocaram.

Consequências práticas

  • Identificar-se amorosamente com a criança.
  • Promover sua criatividade, p. ex. mediante poucos brinquedos, com os quais ela possa vivenciar e ‘elaborar’ muitas coisas.
  • Dar um suporte à sua atenção mediante o cultivo das impressões sensoriais.
  • Propiciar segurança e confiança por meio de ritmo e regularidade no decurso do dia e pelo cultivo de valores religiosos.
  • Colocar limites com determinação amorosa.
  • Ter clareza nas decisões e simultaneamente disposição amorosa, adaptação às situações concretas da vida.
  • Alimentação sadia, simples.
  • Postura de vida construtiva; embora a vida contenha perigos, pode-se enfrentá-los com meios externos e internos.
  • ‘Aceitar’ a criança, dar-lhe a sensação de que ela está bem assim como é e que cada pessoa tem sua ‘normalidade’ e seus problemas específicos, sendo estes trabalhados por ela

Fonte:  “Consultório pediátrico: um conselheiro médico-pedagógico”, Goebel, W., Ed. Antroposófica.

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