Adaptação escolar ou volta às aulas: A semana!

No início do mês de fevereiro este é sempre um tema que mexe com os pais de crianças pequenas iniciando a vida numa escola ou espaço de brincar ou voltando de férias para um lugar já conhecido anteriormente. Costumo brincar que aqueles que já tinham passado pela fase de adaptação dos filhos frequentemente estão aliviados com o retorno das férias e os que ainda vão passar por este processo estão aflitos, preocupados com como será a fase de adaptação…

A maneira de colocar o tema varia um pouco conforme a abordagem. Aprendi nos estudos sobre educação infantil que na perspectiva da pedagogia Reggio Emilia se usa a expressão “inserção escolar” (e não adaptação). Vai ao encontro do questionamento do pediatra Carlos Gonzales com relação ao mesmo termo “adaptação” para designar o que se passa com as crianças e com a comunidade da escola neste processo de mútua descoberta.

Acho importante destacar primeiro que até os 3 anos o bebê vai dando conta de poucos vínculos. Aos poucos e conforme o crescimento vai se dando, vai podendo expandir sua teia de relações de confiança e de segurança, esse conjunto de pessoas no qual ele transita com facilidade. Então, a inserção escolar antes dos três anos representa um desafio neste sentido pois apresenta ao bebê a necessidade de dar conta de mais pessoas, pessoas estranhas, desconhecidas num primeiro momento, na sua rede de cuidados. Passa a ter a professora da escola ou cuidadora no espaço de brincar, às vezes mais de uma, e também outras crianças ainda desconhecidas, além do espaço físico novo com novos objetos a serem descobertos e explorados. Claro que a novidade, sobretudo dos brinquedos e da ambiência, pode despertar muito interesse também e ser favorável ao desenvolvimento quando a estrutura da instituição é sintônica às necessidades da criança. Porém, no âmbito das relações interpessoais, até os três anos, está em curso um período intenso de angústia de separação que faz com que o bebê tenha tendência a manifestar um incômodo, um desconforto quando perde de vista ou perde o contato físico com a mãe ou com os adultos de confiança, as pessoas com quem ele teve mais contato até então.

Essas constatações são fruto de estudos e pesquisas promovidos pela Organização Mundial da Saúde na formulação de suas diretrizes sobre saúde mental materno-infantil (estudos sobre apego) e outros estudos em psicologia (ver bibliografia abaixo). É por esta razão que pode ser mais “fácil” de certo ponto de vista (com menos protestos) adaptar um bebê menor de 8 meses do que um bebê de 1 ano e meio, por exemplo. A angústia de separação pode não estar tão presente ainda aos 8 meses como estará muito provavelmente com 1 ano e meio, por mais que este bebê seja mais “velho” que aquele. O desenvolvimento infantil não ocorre numa evolução linear. E, seja aos 8 meses ou com 1 ano e meio, estamos falando ainda da primeiríssima infância, em que a família cumpre um papel crucial.

Para o educador ou educadora (como é mais comum) que vai receber a criança no ambiente escolar, ter um olhar e algum conhecimento sobre os processos de desenvolvimento humano nos primeiros anos de vida pode ajudar. Saber, por exemplo, que é esperado de um bebê que tem apego seguro entre mais ou menos 8 meses e 3 anos que manifeste um incômodo e um descontentamento e não queira estar sozinho com pessoas desconhecidas. Saber também que a construção do vínculo cuidador-criança ocorre de forma assimétrica (a direção do investimento sendo do adulto para a criança). Os pais, por sua vez, podem facilitar esse processo se estiverem conscientes de que vão precisar dar tempo e oportunidades de contato do seu bebê com esses outros adultos, para que possa conhecer seu colo, o tom da sua voz, o jeito como se movimenta, o ritmo da sua respiração, o seu jeito de ser. E que retomar o tempo dedicado ao cuidado do filho ou filha para outras atividades ou necessidades individuais pode ser estranho inicialmente.

A criança precisa da disponibilidade afetiva do novo cuidador ou cuidadora, alguma atenção exclusiva para si nesses encontros iniciais e uma aceitação dos pais em relação à essa nova etapa de separação com seu filho ou filha. Mais do que a aceitação. Talvez a confiança, que só pode ser oferecida se ela estiver de fato presente dentro de nós, nesse passo que está sendo dado no caminho do crescimento. Esta separação pode significar mais autonomia ou não, a depender de como for encaminhada pelos pais e cuidadores. As memórias que temos da nossa própria iniciação escolar, boas ou ruins, não são testemunhas disso?

Para finalizar, é possível fazer do começo da vida escolar um processo de muitos ganhos se todos estiverem bem esclarecidos e seguros sobre suas escolhas e, sempre, em sintonia com a criança. Pais e filhos, mestres e alunos, todos podemos aprender algo juntos!

Bibliografia:

Bowlby, John – Cuidados maternos e saúde mental, Martins Fontes, São Paulo: 2006.

Gonzales, Carlos – Bésame mucho, Editora Timo,São Paulo, 2016.

Klaus, M.H.; Kennell, J.H. Maternal-infant Bonding. St. Louis, MO: Mosby; 1976. 

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